do Blog Universidade Para Quem
O protesto pela legalização da maconha marcado para o último sábado, 27/02, foi impedido de acontecer. A polícia compareceu em peso para cumprir ordem judicial e garantir que não haveria manifestação. Em são Paulo é a terceira vez que protestos como esse são proibidos com base na acusação de apologia às drogas, até mesmo a marcha da maconha (que acontece em todo o mundo) é proibida todo ano no estado.
O protesto foi marcado pela internet e os organizadores propunham um ato simbólico no vão livre do MASP, no qual manifestantes fumariam “baseados de orégano”. Após ser amplamente divulgado pela grande imprensa, o protesto foi considerado ilegal. Segundo o Ministério Público, manifestantes iriam fumar maconha em público. Ressalto que trata-se de uma liminar absurda que, inclusive, proibiu uma manifestação que não havia pedido autorização ou entrado em contato com nenhum órgão público, visto que não bloquearia nenhuma via pública nem ocuparia algum lugar de forma irregular. (Para saber mais leia a carta publicada pelos organizadores do evento:http://unzinho.com/blog/2010/02/27/nota-a-sociedade-brasileira/)
É vergonhoso nosso Ministério Público ter mente tão tacanha a ponto de não garantir o direito de liberdade de expressão. Com um processo conduzido de forma completamente arbitrária, feito a partir de uma matéria publicada na internet, na qual afirma-se que ativistas propunham um ato com maconha tendo como fonte um fórum de relacionamentos, matéria que inclusive foi alterada/atualizada alguns dias depois(veja aqui: http://oglobo.globo.com/blogs/sobredrogas/). O operativo disponibilizado pela Polícia Militar foi completamente desproporcional, 6 barcas da PM e mais 3 da GCM, garantindo o medo e pelo menos metade do número de presentes na manifestação, isso sem contar os paisanos ou P2.
O fato é quase um retrato de como a questão das drogas é tratada no Brasil, onde usuários permanecem completamente estigmatizados e qualquer coisa que toque o tema maconha é assunto de polícia. É uma pena, o país sofre um crescimento desenfreado do narcotráfico gerando um poder paralelo despótico em suas periferias mas ainda trata o tema como um tabu à moral da sociedade. Infelizmente nossa democracia parece não estar suficiente madura para abordar temas polêmicas de forma livre .
Sei que muitos leitores deste blog estão se perguntando o porquê desta matéria, pois parece não condizer com o tema deste espaço. No entanto, lembrem-se que a repressão às drogas é o maior motivo de violência à juventude das periferias deste País.
As drogas estão presentes em todos os lugares de nossa sociedade: nas escolas, universidades, trabalho e no ambiente familiar. Porém, muitos segmentos da sociedade, inclusive setores ditos progressistas, se esquivam do debate por considerá-lo polêmico e desimportante, mas, peço ao leitor licença para expor alguns fatos esclarecedores.
Na América Latina o tema já foi motivo de diversas intervenções militares. Podemos citar pelo menos três casos emblemáticos: o Plano Coca-zero na Bolívia, o Plano Colômbia e a recente instalação de bases militares americanas no mesmo país. Todos os planos foram realizados e incentivados com apoio civil e militar dos EUA.
Apesar de importarem sua política de “guerra às drogas” como única política possível para o mundo, os EUA seguem como maiores consumidores do planeta e são responsáveis pelo aumento na produção de papoula (matéria-prima da heroína) em mais de 100% no Afeganistão durante sua ocupação militar, e seu principal seguidor na América do Sul, a Colômbia, é o maior produtor de cocaína do mundo.
O que se observa é uma estigmatização e mistificação tamanha do tema, que ele tornou-se a maior justificativa para todo tipo de desrespeito aos direitos humanos, às liberdades democráticas e à soberania nacional. O combate às drogas são a grande desculpa para o uso da força em todos os âmbitos.
Se na Bolívia o combate à prática milenar indígena de uso da folha de coca foi utilizado para manter o controle imperialista sobre um dos grandes países rebeldes da região, no Brasil o combate ao tráfico é a principal justificativa da constante e injustificável criminalização da pobreza, impondo um contexto de guerra civil a todos os moradores de bairros pobres e abandonados pelo poder estatal.
Basta ver as notícias nos “velhos jornalões de São Paulo” para notar que todos os protestos realizados recentemente na periferia – como ocorreu em Heliópolis, Paraisópolis e no Grajaú – foram atribuídos a narcotraficantes, fazendo com que as reivindicações dos manifestantes revoltos não fossem nem citadas.
E os problemas tem aumentado muito nas últimas décadas. No estado de São Paulo o envolvimento com o tráfico de drogas já é a segunda maior causa de detenção de menores. Só na capital estima-se que existam 300 mil usuários de maconha, que vivem a realidade da criminalização, sendo constantemente desrespeitados pela polícia, estigmatizados em ambientes de trabalho e familiares, sendo obrigados a se envolver com o crime organizado, colocando-se, portanto, em situações de risco. Usuários estes que não possuem qualquer tipo de auxilio médico (o tabu impede pesquisas e conversas sobre o tema), de forma que o consumo segue sendo feito sem qualquer regulamentação ou clareza sobre suas consequências. Apesar de ser um caso gravíssimo de saúde pública, eles ainda são impedidos de debater o tema pela própria lei.
A política brasileira de combate às drogas está completamente falida! As mortes de inocentes causadas por confrontos entre traficantes e policiais já supera em muitas vezes o número de mortes causadas pelo uso de drogas. E ainda assim, nos últimos anos o consumo só tem aumentado como também tem aumentado a superlotação das cadeias.
Em todo o país há cerca de 80 mil presos por envolvimento com algum tipo de droga, em sua maioria jovens que não possuíam nenhuma passagem pela polícia, não portavam armas e foram flagrados com quantidade inferior a 20g de droga. Estes jovens são trancafiados nas prisões e Febens (em S.Paulo recebe o eufemístico nome de Fundação Casa) perdendo qualquer possibilidade de recuperação e acabam majoritariamente envolvendo-se com o crime organizado, pois a passagem por tráfico tira qualquer perspectiva de vida ou possibilidade de emprego após o cumprimento da pena.
A política proibicionista aplicada hoje no Brasil, além de estigmatizar usuários, é uma fábrica de criminosos que só interessa aos grandes narcotraficantes, que negociam sem qualquer regulamentação, a preços cada vez mais altos, sem pagar direitos trabalhistas e valendo-se de trabalho infantil. Enquanto os atacadistas do alto escalão do tráfico lucram de forma inescrupulosa com tráfico de drogas e armas nas fronteiras, a juventude das periferias, que se envolve com o varejo, é utilizada como bucha de canhão e mão de obra barata e abundante. A lei, como sempre, só atinge o mais fraco.
Nos últimos anos o debate tem tomado outros rumos com o surgimento das políticas de descriminalização dos usuários, liberação do plantio de maconha para uso pessoal – já aplicadas em países como Portugal, Espanha, Suíça, Argentina, México e outros. No Brasil existe um projeto de descriminalização das drogas e legalização da maconha de forma regulamenta proposto pelo deputado Paulo Teixeira (http://www.youtube.com/watch?v=IV26W2soigI), apoiado pelo ministro do Meio Ambiente Carlos Minc.
É importante que toda sociedade e, principalmente, os usuários possam ter espaços democráticos para debater esse tema de vital importância, cuja discussão e busca de soluções só poderá ser encontrada se debatidas de forma livre por todos os envolvidos.
Nesse sábado vimos a agilidade e a hipocrisia com que age poder público para impedir o debate de vir à tona. O mesmo estado ausente por anos e anos nas comunidades pobres, deixando de garantir direito a uma vida digna (com saúde, educação, moradia e direitos sociais), tornando-as presas fáceis do tráfico, estado que foi responsável por uma política de drogas desumana e ineficaz, este mesmo estado aparece para dizer que nós, manifestantes, estaríamos fazendo apologia ao tráfico. Justamente nós, que queríamos a legalização da maconha e a revisão de uma política de drogas que estrutura o narco-tráfico.
Por fim, não podemos ignorar que 60% do mercado de drogas é de usuários de maconha, o que traz a clareza de que uma liberalização desta droga por si só alteraria significativamente a situação. Mas só isso não será a solução do problema
É importante dizer que posicionar-se frente ao tema, denunciar que a solução não está na repressão, mas em uma legislação inteligente combinada com INDISPENSÁVEIS investimentos sociais para garantir às camadas populares uma vida digna e uma perspectiva de futuro para seus filhos. Fazer um debate sério sobre a combinação explosiva do tráfico com as misérias, debate que só pode ser feito com a presença de setores progressistas dispostos a enxergar as desigualdades e hipocrisias de nosso sistema.
O silêncio tem custado muitas vidas.
Enquanto nós da esquerda e dos ditos setores progressistas da sociedade permanecemos nos furtando ao debate, tucanos de alta plumagem se apropriam do tema. FHC, Arnaldo Jabor e Gilberto Dimenstein, de forma hipócrita se colocam como os grandes defensores das políticas de descriminalização, promovendo na maioria das vezes um debate superficial e carregado de um quê de oportunismo.
Termino perguntando, para além da questão do tráfico, será que pessoas adultas não têm o direito de decidir individualmente por sua felicidade? De optar pelo que fazem com seu corpo tendo consciência dos males e benefícios? Atualmente o estado toma para si o direito desta decisão, criando leis que são cada vez mais impossíveis de serem cumpridas.
*Chico Cabral é estudante e colaborador assíduo deste blog
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