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Buenos Aires – O psiquiatra argentino Eduardo Kalina, 71 anos, é radical quando se posiciona em relação ao uso de drogas: cobra dos pais o exemplo aos filhos e defende a abstinência total (incluindo álcool e cigarro) para pacientes que tentam se livrar das drogas. Diretor médico do Brain Center, em Buenos Aires, desde 1994, Kalina está preocupado com a realidade que o crack desenhou na Argentina e no Brasil. Entende que os governos que não lutam contra a epidemia estão permitindo “um suicídio”.
Confira trechos da entrevista que Kalina concedeu à Agência RBS por telefone, de Buenos Aires.
Agência RBS: O senhor já disse em entrevistas que o cérebro nunca esquece a sensação provocada pela droga, lembrando que a cura da dependência química exige uma abdicação total das drogas, incluindo o cigarro e o álcool. Não há uma cura para a dependência química?
Eduardo Kalina: A palavra cura tem muitos significados. Por exemplo: uma pessoa que tem um surto de apendicite. Você opera, retira o apêndice que está doente e aquilo curou para sempre, nunca mais vai ter apendicite porque não tem mais apêndice. Esse é um conceito de cura total, definitiva. No campo das drogas, o conceito de cura é diferente.
Agência RBS: Como seria esse conceito?
Kalina: Não existe a cura total, porque o cérebro se modifica a partir da experiência com a droga, aprende uma nova linguagem, que não esquece nunca. Num futuro próximo, com a medicina genética, quando nós vamos poder fazer modificações genéticas, provavelmente vai haver cura definitiva. Agora, o que nós chamamos de cura é quando a pessoa aprende a dizer não. Para controlar a droga, compensamos com remédios, fazendo com que o cérebro se acomode à normalidade, mas não tem garantia nenhuma. É preciso se desdrogar. Tirar todas as drogas, porque muitas pessoas querem parar com o álcool, mas seguem consumindo o tabaco. E o risco de voltar (a beber) é grande.
Agência RBS: O senhor acredita que é preciso abdicação total?
Kalina: Toda pessoa que compreende que, para sair das drogas, é preciso abdicar de tudo, uma parada total, incluindo álcool e tabaco, está praticamente curada, consegue viver normalmente. Para aquela que deseja seguir fumando e bebendo de quando em quando, o número de recaídas é muito grande.
Agência RBS: Em relação à medicina genética, há um futuro próximo e promissor?
Kalina: Num futuro próximo, é quase maravilhoso o que está se fazendo com medicina genética. Está tudo ainda em um campo experimental. Ainda não chegou à população, mas estão em desenvolvimento as terapias, o que chamamos de farmacogenética.
Agência RBS: Costuma-se dizer que a recuperação do crack é uma das mais difíceis, tornando-se quase impossível.
Kalina: Porque provoca lesões no cérebro, provoca atrofia no cérebro, infarto no cérebro. Crack é uma cocaína muito suja. A recuperação é difícil porque o crack provoca muitos danos e algumas lesões são irreversíveis. Além disso, muitas dessas pessoas têm uma vida pobre, não têm uma boa nutrição, não usavam muito o cérebro, então o cérebro estraga mais rápido. Muitos que começam na adolescência ou quando criança não conseguem, porque já é um cérebro que está estragado.
Agência RBS: O senhor tem um livro dedicado a pais de adolescentes. Que conselho daria a uma família de alguém que convive num ambiente onde circula o crack?
Kalina: Primeiro, dar um bom exemplo. Um pai que toma um copo de vinho no jantar não está criando um filho toxicômano. Porém, um pai que está todo dia fumando e que bebe muito no dia por qualquer explicação não pode dizer ao filho que não consuma, porque ele está consumindo. Muitas pessoas não se dão conta de que estão dando exemplo a todo momento. Segundo, é importante, desde criança, ensinar o perigo que isso significa.
Agência RBS: Como o senhor analisa o cenário brasileiro em relação ao crack?
Kalina: Acho que no Brasil acontece como na Argentina, que em vez de esse tema ser tratado por certos profissionais, sobre esse tema opina Fernando Henrique Cardoso, que fala de legalizar porque o mercado controlado acabaria com o problema. Ele não tem nenhum preparo para falar sobre droga. Falam também músicos, pintores, políticos, jornalistas, e muito pouco se trabalha com profissionais. Esse tema tem de ser tratado como uma emergência nacional e teria de ter muito, muito mais do que se faz.
Agência RBS: Existem algumas características recorrentes entre as pessoas que são usuárias de droga ou não se pode dizer isso?
Kalina: Sim, pode-se dizer. Quem conhece esse tema, nos colégios, consegue identificar aqueles que podem ir às drogas. Jovens que têm conflitos, impulsivos e com família onde há muita patologia, têm muito mais facilidade de chegar às drogas. Um grupo de estudiosos americanos avaliou que, se estudássemos, entre crianças e adolescentes, aqueles que têm componentes depressivos ou bipolares, seria possível prevenir muito o uso de drogas. Por isso, é preciso cuidar por fora para que a droga não chegue até a pessoa, detectar e diagnosticar aqueles que podem usar drogas e trabalhar com eles.
angela.ravazzolo@zerohora.com.br
ÂNGELA RAVAZZOLO
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