do Enteogênico
Como o pesquisador de enteógenos sabe, é difícil encontrar a origem do termo “enteógenos”. A maioria dos livros que fala sobre o assunto, por algum motivo qualquer, não esmiúça a origem do termo e quando muito fala de sua etimologia, mas não da sua origem histórica e de seus criadores. Para clarearmos definitivamente o assunto, nada melhor do que duas passagens do livro “Pharmacotheon: drogas enteogénicas, sus fuentes vegetales y su historia”. A tradução é nossa, pois infelizmente o livro ainda não se encontra traduzido.
Vamos ao que interessa..
Nota sobre o texto
Como é imediatamente óbvio a partir do meu título, utilizo o neologismo enteógeno ao longo deste livro. Se trata de uma palavra nova, proposta por um grupo de estudiosos, entre os quais se encontram o Dr. R. Gordon Wasson, o professor Carl A. P. Ruck e eu. A partir da experiência pessoal sabemos que os embriagantes chamanicos não provocam “alucinações” ou “psicoses”, e como cremos que é uma incongruência referir-se ao uso chamanico tradicional de plantas psicodélicas (palavra pejorativa para muitos, que invariavelmente se associa com o uso ocidental da droga nos anos 60), cunhamos este novo termo em 1979 (Ruck et al. 1979). Descrevo em profundidade a história dos nomes das plantas sagradas no capítulo 1, nota 1. Alegra-me poder dizer que, quatorze anos depois de haver lançado o neologismo ao mundo literário, a palavra tem sido aceita pela maioria dos expertos neste campo e apareceu na imprensa em pelo menos sete línguas. Este termo não se refere a uma classe específica de drogas farmacológicas (alguns, por exemplos, entendem por psicodélicos; drogas indólicas e fenetilamínicas com um efeito tipo LSD ou mescalina), melhor designa drogas que provocam êxtase e têm sido utilizadas tradicionalmente como embriagantes chamanicos ou religiosos, assim como seus princípios ativos e seus congêneres artificiais.
Do mesmo modo, evito usar a palavra intoxicante em favor do mais apropriado e suposto sinônimo embriagante. Intoxicante (do latim toxicum, veneno) é uma palavra pejorativa e sugere ao desinformado a borracheira decididamente não sagrada do álcool etílico (etanol) – embriagante tradicional da sociedade ocidental. Uma visita ao dicionário mostrará que embriagante não possui este estigma e o Oxford English Dictionary (Compact Edition, p.1423) mostra que também esta palavra chegou a se relacionar no Ocidente com o álcool, o primeiro uso de embriagante (em 1526) é o oposto: “this inebriacyon or heuenly dronkennesse of the spiryte” (Esta ebriedade ou borracheira celestial do espírito).
No capítulo 4, nota 1, resumo a história de outro termo pejorativo para as drogas sagradas: narcótico; e no capítulo 4, nota 2, comento que “sagrado intoxicante” é auto-contraditório. Devemos recordar que a grande maioria das pessoas não experimentou os enteogenos e que tem uma tendência a catalogar os embriagantes desconhecidos juntos com o álcool. Evitemos prejulgar estes embriagantes sagrados utilizando obtusamente a terminologia que está sempre vinculada a estados alcoólicos.
Por isso mesmo, descartei a palavra recreativo para indicar o uso não médico ou extracientífico de drogas. Eu mesmo incorri no abuso deste termo trivial, que tende a abaratar e a recobrir de prejuízo o uso atual de drogas enteogênicas. Como sei que muitos usuários atuais destas drogas sentem o mais profundo respeito até o que, corretamente, consideram “mestres vegetais” (Luna 1984b), e os que empregam seriamente, em um tipo de busca visionária (Drury 1989; Ratsch 1991), seu consumo não pode chamar-se “recreativo”. Não me oculta tampouco que muitos empregam enteógenos descuidadamente, de maneira infraespiritual. Em conseqüência, me sirvo de um termo menos habitual e neutro – ludibundo, ou em sua variante lúdico- para referir-me em geral ao uso contemporâneo de drogas enteogênicas. A palavra, que deriva do latim ludere, “jogar”, significa literalmente “divertido, cheio de jogo” (Oxford English Dictionary, Compacto Ed. p. 1675). Falo de drogas ludibundas, ou de uso lúdico, para com toda a tranquilidade não desfazer-me do uso moderno de “recreativo”, como os videogames ou as máquinas caça-níqueis.
Alguns discutiram que use a expressão índio, em vez da “politicamente correta” aborígine americano. Mas eu sou também um “aborígine americano”, e até tenho uma pequena porcentagem de sangue índio, mas ninguém me chamaria índio. Este termo deriva, pelo jeito, do equívoco de Colombo (Colón), que acreditou estar na Índia quando chegou as Américas. Mas há uma explicação alternativa. Há indicado que no tempo de Colombo o nome mais comum para a Índia era Hindustão (Hindustán), e os falantes do espanhol (hispanoparlantes) seguem chamando “hindúes” e não índios, as pessoas da Índia. Um proeminente portavoz, “aborígine americano”, alegou que a palavra índios vem de en-dios , referindo-se ao fazer de que os habitantes do Novo Mundo pareciam aos europeus pessoas que viviam “em Deus”, de um modo natural, próximos a terra como outros animais, com escasso artifício da civilização. Neste sentido índio não é denegridor, e eu emprego com tal espírito, por respeito e em benefício da precisão. Pelo mesmo falo de culturas ágrafas em vez de primitivas.
Tenho adotado também o excelente termo psiconauta, criado por Ernst Junger (Junger, 1970), para viajantes que empregam como veiculo drogas enteogênicas (embora o termo tenha sido cunhado na Alemanha duas décadas antes, um investigador americano tem se proclamado autor do neulogismo; Siegel, 1989). Costumamos falar de “viagens” com drogas, e a palavra de Junger é precisa e bela.
Por razões que expliquei em meu livro sobre o chocolate (Ott, 1985; Ott, 1993b), abandono o termo “abuso de droga”. Essa expressão politicamente incorreta “indica qualquer uso (seja moderado e controlado ou imoderado e excessivo) de certas drogas proscritas por lei ou costume; enquanto que o uso excessivo, ou também chamado “abuso”, de outras drogas aprovadas legalmente, como tabaco, café e (no mundo não mosaico) bebidas alcoólicas se censura sem aspereza, como simples mal hábito ou indiscrição dietética...”. Examino a cerca deste ponto no Proemium . Com ajuda de Dale Pendell, tenho cunhado as palavras matriteístico e patriteístico, para referir-me a culturas que giram em torno a deidades femininas e masculinas respectivamente. Também me refiro a Nossa Senhora Gea (ou Gaa em alemão) e não a mal transcrição Gaia, pois o efeito de sua má pronunciação faz com que o nome da deusa mais feminina soe semi-masculino.
Uso a palavra chaman (chamán) que prov~em da palavra saman, usada pelos tunguses siberianos para o “homem-medicina”, outrora mencionado através do pejorativo “feiticeiro”. Se há sugerido que a palavra chamán é asiática e não resulta apropriada para descrever a praticantes do novo mundo, e Schultes e Raffauf (1992) tem elegido recentemente o termo pajé. Igual a palavra chamán, os equivalentes em quéchua (yachaj) e mazateca (cho-ta-ci-ne) significam sempre algo próximo a “alguém que sabe”, e prefiro usar chamán, que entendem bem os não especialistas, e se aceita em literatura científica o termo genérico para descrever a estes sábios tradicionais... os que sabem.
Meu amigo e mentor Albert Hofmann tem tido a amabilidade de escrever o prólogo deste livro, e me alegra publicá-lo ao completar-se 50 anos de sua monumental descoberta sobre os efeitos do LSD. Espero que Pharmacotheon marque o amanhecer de uma nova era de tolerância científica e entendimento em matéria de drogas enteógenicas; que por fim comece a compreender-se seu pleno potencial. Que podem dar-se a mão e trabalhar juntos o chaman e o científico... que o psiconauta possa em sucessão ser aceito e estimado como um valente explorador da imensidão desconhecida, exterior, mas de alguma maneira interior, tão vasta, não cartografada e envolta em perigos como os insondáveis vazio do espaço interestelar! Ajudados por estes prodigosos psychopharmaka, oxalá nos centremos cada dia mais na beleza evanescente e eternamente efêmera que é o aqui e agora, consciência cotidiana, única e eternamente real riqueza nesta dimensão do universo.
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