quinta-feira, 25 de março de 2010

Ação terapêutica da ayahuasca divide opiniões de especialistas

da Abril

São Paulo, 25 (AE) - Há argumentos e argumentadores de peso para os dois lados da questão: aqueles que apostam na ação terapêutica da ayahuasca - também chamada de hoasca e vegetal - e os que defendem os riscos que ela, usada por várias linhas religiosas no Brasil, poderia provocar à saúde. "É uma substância com propriedades alucinógenas, que promove mudanças químicas no cérebro, levando a distorções no sistema senso perceptivo do indivíduo, ou seja, na capacidade de sentir, ouvir, ver", explica o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo e PhD em Dependência Química. "É complicado afirmar que um alucinógeno é completamente inócuo para o cérebro."

As alucinações desencadeadas pelo chá - que no ambiente religioso são chamadas de mirações e têm o objetivo de promover o autoconhecimento - se devem à ação da dimetiltriptamina (DMT), substância presente nas folhas da chacrona, um das plantas do chá. "A hoasca, assim como a maioria de outros alucinógenos, como LSD e ecstasy, não tem grande risco de dependência. O problema é o risco de dano cerebral associado, já que se trata de uma substância que desregula o cérebro", comenta Laranjeira. "É muito difícil dimensionar qual é o efeito disso mediante um uso crônico ou em pessoas predispostas a desenvolver quadros mentais, como é o caso de filhos de pais com esquizofrenia."

A interação entre os efeitos provocados pela hoasca e outros elementos que interferem na química cerebral, como os quadros psiquiátricos, veio à tona no último dia 12, quando o estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes - que tem histórico de esquizofrenia na família e, além de ingerir hoasca, era consumidor de drogas - assassinou o cartunista Glauco Villas Boas. "Nem sempre uma predisposição genética para quadros psiquiátricos é tão facilmente reconhecida. E também não é possível mensurar qual será o grau de suscetibilidade de cada um à substância", diz. Para Laranjeira, o consumo seria contraindicado sobretudo para as crianças.

Em janeiro passado, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) publicou no "Diário Oficial" a regulamentação para o uso da ayahuasca no Brasil com fins ritualísticos, inclusive por crianças. Em algumas comunidades há batismos de bebês com o vegetal, ministrado em conta-gotas. "Para mim, não deveria ser permitido em crianças. Nelas, o ideal é se evitar ao máximo qualquer substância diferente, até mesmo medicamentos, para minimizar o risco de intoxicação. Em uma vida psíquica se cristalizando, é difícil saber as consequências", declara o médico Elisaldo de Araújo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas. "A liberação, contudo, baseou-se em estudos com crianças que usavam a hoasca. Constatou-se que não havia alterações importantes entre elas", conta.

Apesar de ver com cautela o uso da hoasca por crianças, o profissional não contra-indica a prática dos rituais com o chá. "Tudo depende do meio em que se toma. Em um círculo religioso, pressupomos que haverá gente experiente orientando e controlando os rumos das alucinações."

Carlini desaconselha a hoasca por pessoas com limitações de saúde. "Quem tem problema cardíaco deve evitar", diz. Para ele, interações com alguns remédios também devem ser vetadas. "A hoasca pode inibir o efeito dos hipnóticos, usados contra insônia", completa.

O pesquisador Rafael Guimarães dos Santos, doutorando em farmacologia pela Universidade Autônoma de Barcelona, com ênfase nos efeitos da ayahuasca, pede cautela para quem usa antidepressivos que inibem a enzima monoamina oxidase (MAO) - efeito que o chá também produz. "Ao inibir a MAO, que controla os níveis de serotonina, a quantidade desta substância aumenta. Se a pessoa ingerir o chá e também o remédio, o nível de serotonina poderá subir demais, levando à síndrome serotoninérgica, com tremores, agitação e até mesmo morte", relata.

Santos diz que a interação do chá com a substância tiramina também é problemática. "Esta substância, encontrada em alimentos envelhecidos, como vinho tinto e alguns tipos de queijo, é degradada pela MAO. Com a inibição da enzima, a tiramina pode se acumular no corpo, levando à hipertensão", explica. Segundo ele, "não existem evidências científicas de que o chá possa ser usado com fins terapêuticos, embora muitos usuários defendam este uso".

Diretor do Departamento Médico da União do Vegetal, uma das linhas religiosas ligadas à hoasca, o médico José Roberto Souza é contrário à ‘medicalização’ do chá. "Nosso objetivo é o uso no ritual e não se pode afirmar que as melhorias de saúde nos praticantes se devem às propriedades bioquímicas do chá. É o envolvimento com a doutrina, a mudança de paradigmas com relação aos hábitos de vida, deixando o álcool e o fumo, que trazem os benefícios para a saúde", diz.

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