sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Gabeira vê sucesso em ação no Rio, mas não vitória final contra tráfico

do O Globo

Gabeira criticou o clima de propaganda da cobertura do caso pela mídia

Principal oponente do governador Sérgio Cabral nas últimas eleições, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) reconheceu o sucesso das operações policiais do Rio na reconquista dos territórios da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, mas disse que a ação 'não pode ser entendida como uma vitória final contra o tráfico de drogas no Rio'.

Em entrevista à BBC Brasil, ele diz que o tráfico deve agora passar por um processo de reorganização e criticou a falta de 'posicionamento crítico' da imprensa.

O deputado disse que as operações geraram um 'momento propício' para aprovar a PEC 300 na Câmara dos Deputados. O projeto propõe o estabelecimento de um piso salarial nacional para policiais.

Em outubro, Gabeira perdeu a disputa para o governador para Sérgio Cabral, reeleito no primeiro turno com 66% dos votos. Leia os trechos principais da entrevista:

BBC Brasil - A ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão foi considerada uma grande vitória pelo governo do Estado. O senhor concorda?

Fernando Gabeira - Acho que foi realmente uma vitória contra a organização do tráfico na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, dois lugares onde a polícia dificilmente retirava traficantes. Mas não pode ser entendida como uma vitória final contra o tráfico de drogas no Rio.

O objetivo também não era esse, era o de conquistar territórios. Então do ponto de vista da reconquista foi tudo muito bem. Já do ponto de vista da desarticulação das quadrilhas, ainda é preciso um tempo para avaliar.

Durante a campanha, eu falei que o Alemão era um centro de concentração de marginais. O governador não gostou. Eu estive lá, estive na Vila Cruzeiro fazendo a minha campanha. Acho que as operações liberaram uma parte importante das comunidades, mas ainda há muito o que fazer.

BBC Brasil - A polícia estimava que centenas de traficantes estivessem no Complexo do Alemão, mas poucos foram presos. Muitos podem ter fugido. Vai haver um reposicionamento do tráfico no Rio?

Gabeira - A minha impressão é a de que o secretário de segurança pública (José Mariano Beltrame) colocou como principal objetivo a recuperação do território, e não as prisões.

Acompanhando as operações, a minha hipótese é que os traficantes provavelmente fugiram na noite em que foram expulsos da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão, porque ainda não havia o cerco do Exército. Os traficantes eram mais ou menos 600, e era preciso no mínimo 2400 pessoas para realizar a operação. Isso só veio na manhã seguinte.

BBC Brasil - Mas o senhor acha que agora o tráfico vai migrar para outras comunidades?

Gabeira - Acho que ele vai passar por um processo de reorganização. Tudo indica que o tráfico que se dá através da ocupação armada de territórios vai ser superado por um tipo de tráfico de pequenas entregas urbanas, semelhante ao que acontece nas grandes cidades do mundo.

Acho que se iniciou um processo através do qual será possível evitar a ocupação armada da cidade. No entanto, esse processo vai levar algum tempo, e envolver muitos recursos. Nós temos no momento UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em 13 comunidades, mas temos mais de mil comunidades para cobrir.

Ainda deve haver a ocupação de territórios por muito tempo, mas não creio que seja possível ocupar todas as comunidades do Rio, algo que precisaria de um contingente militar muito superior ao disponível. É preciso utilizar a inteligência para superar essa falta de homens.

BBC Brasil - As operações receberam grande destaque na imprensa. O que o senhor achou da cobertura?

Gabeira - O processo é impensável sem a participação da imprensa, que participou ativamente e se integrou à polícia, acho que de maneira parecida com a presença de soldados americanos no Iraque e no Afeganistão. Em certos momentos, a TV Globo funcionou como uma espécie de quartel-general da operação. Todos os comandantes saíam do campo de batalha e iam para o estúdio participar de entrevistas. O que não é normal.

Geralmente numa guerra efetiva os combatentes não saem de campo para participar de um talk-show. Do ponto de vista político, já sabemos que mais importantes que os fatos são as narrativas. Então a grande narradora é a TV Globo, que decidiu que estamos vivendo um momento histórico, uma luta das forças do bem contra o mal.

Geralmente a imprensa cobre os acontecimentos e deixa o tempo dizer que se eles são históricos ou não. Desta vez, houve um grande empenho no aspecto psicológico de mobilizar a população e convencê-la de que estava vivendo um grande momento, uma grande vitória.

Não está totalmente errado, foi uma vitória importante. Mas o papel da imprensa é ter um posicionamento crítico, ver se a polícia está atuando bem. Ela não fez isso. Ouvimos falar de momentos em que a polícia agiu com violência, e isso não foi falado.

O clima de propaganda elimina qualquer dúvida. Quando você entra numa cobertura definindo que vai ser uma propaganda, você elimina qualquer ambiguidade ou contradição. Isso não é bom.

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