terça-feira, 2 de novembro de 2010

Estudo publicado em janeiro reabre discussão sobre legalização da maconha no cenário internacional

do Opera Mundi

Em janeiro deste ano, a publicação do estudo Cannabis Policy - Moving Beyond Stalemate (Política para a Cannabis - Superando o Impasse) pela Fundação Berkeley e a Oxford University Press reabriu o debate sobre a legislação internacional e o uso da maconha.

O relatório foi produzido por uma comissão com cinco especialistas renomados, que analisaram a literatura científica para traçar um panorama do que já foi comprovado em relação ao uso da erva. Segundo o relatório, cerca de 190 milhões de pessoas são usuárias da droga, ou 4% da população adulta mundial.
Os estudos revisados pela comissão sugerem que 9% dos usuários desenvolvem dependência química, número que sobe para 16% entre adolescentes. É uma taxa bem inferior se comparada com as drogas legalizadas, como o tabaco (32%) e o álcool (15%).

O princípio ativo da droga não tem grandes efeitos tóxicos sobre o organismo, pelo menos nas funções vitais, e até hoje existe apenas dois casos registrados na literatura de mortes por overdose.  

No entanto, o Cannabis Policy deixa claro que a maconha causa perda cognitiva, piora o rendimento e aumenta a evasão escolar. Também aumenta as chances de surtos psicóticos, esquizofrenia e infarto em pacientes com condições pré-existentes. Mas os prejuízos sociais são menores, por exemplo, do que o uso do álcool.

Em conclusão, o estudo pede que uma polícia mais racional para o controle da droga. Hoje em dia, a maconha está banida em nível mundial por causa da convenção sobre entorpecentes da ONU, de 1961.

“A criminalização não tem refreado o uso, enquanto com um mercado regulado o produto poderia ser etiquetado de acordo com o quão forte ele for e de acordo com a sua composição química, tornando-o mais seguro. Os governos deveriam controlar e taxar as vendas, o que rennderia mais fundos para a educação e o tratamento”, diz a diretora da Fundação Beckley, Amanda Feilding, que encomendou o estudo.

Em outubro do ano passado, a Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia chegou também a pedir leis mais brandas. Criada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso do Brasil, César Gaviria da Colômbia e Ernesto Zedillo do México e integrada por 17 personalidades independentes, a comissão avaliou o impacto das políticas de “guerra às drogas” e formulou recomendações para estratégias mais eficientes, seguras e humanas no continente.

“A estratégia centrada fundamentalmente na repressão fracassou na América Latina. O desejo de um mundo sem drogas não constitui um horizonte realista e, portanto, não pode ser o fundamento de políticas públicas”, diz o estudo, que defende a descriminalização da maconha para uso pessoal. Os ex-presidentes prometem levar o debate ao âmbito internacional.

Para o professor de História Moderna na USP Henrique Carneiro, é necessário questionar as convenções internacionais. “Nenhum país ainda tomou uma iniciativa de denunciar os tratados. O atual órgão da ONU, o UNODC, relaciona drogas ao crime, o que não é verdade. Essa relação denigre três das plantas mais antigas em uso na humanidade – a papoula, a folha de coca e a marijuana”. 

Depois da descriminilização

A Holanda é o país-símbolo da liberalização em relação às drogas. Mas, por causa da convenção antidrogas de 1961, o uso de maconha não é oficialmente legal. Na prática, porém, o uso de maconha é permitido e regulado.

A descriminalização foi decretada em 1976. Tornou-se legal para qualquer um portar até 30 gramas de maconha. Pouco depois, o governo passou a limitar a venda aos “coffee-shops”, que seguem regulamentos rígidos, como a proibição da entrada de menores e da venda de bebidas alcoólicas.

Além de criar um ambiente de uso mais controlado e seguro, um dos objetivos da legislação – totalmente bem-sucedido – foi acabar coma  estigmatização dos usuários. Estudos apontam que houve aumento do consumo da maconha entre os holandeses. Mas  o país tem níveis de consumo similares a outros países europeus.

Em março de 2002, o Reino Unido rebaixou a maconha da categoria “B” para a categoria “C”, de drogas mais leves, que inclui anestésicos, tranquilizantes e estimulantes, levando a uma descriminalização na prática. Qualquer usuário pego com pequenas quantidades é liberado após uma advertência policial verbal.

Em 2006, dados do governo britânico mostraram que o uso de maconha estava diminuindo, com 600.000 usuários a menos do que em 2003.

Em 2001, Portugal aprovou uma lei que descriminalizou o uso de todas as drogas.  Quem é pego com pequenas quantidades (até dez doses) recebe uma multa e tem a droga confiscada mas não fica fichado.

Em seguida, tem que comparecer perante uma comissão de médicos, advogados e assistentes sociais. Se ficar constatado que é dependente, é mandado para tratamento. Senão é liberado. Assim, o usuário é  considerado como alguém com problemas de saúde, e não como um criminoso.

Depois da promulgação da lei, houve uma redução no uso de drogas entre os mais jovens, além da redução do número de presos e o aumento da procura por serviços de tratamento – o que levou a lei portuguesa a ser considerada exemplo internacional. 

Desde os anos 70, Itália e espanha também toleram o uso de pequenas quantidades de maconha. O usuário não vai para a cadeia, mas apenas pagam multa. Na espanha, é tolerado que se plante maconha para uso próprio.

A Suíça é outro país que tem uma política bastante liberal com relação ao uso de drogas. É um dos precursores na política de redução de danos, em que a droga é vista como uma questçao de saúde pública e não de polícia. Nos anos 90, o país criou no centro de Zurique o parques para consumo livre de drogas, conhecido como “needle parks” (parque das agulhas). A estratégia foi mal-sucedida, mas gerou as salas para uso de drogas com acompanhamento médico. O país também implantou centros para atender usuários de heroína, oferecendo a droga substitutiva, metadona.

Em julho deste ano, o Conselho Municipal de Zurique aprovou a distribuição controlada de maconha para uso recreativo. O governo municipal pode ainda vetar a lei, ou tem prazo de dois anos para implementá-la. O projeto-piloto deve contar com medidas preventivas voltadas aos jovens, segundo o Conselho Municipal.

Na Austrália, desde 1985 cada Estado tem autonomia para fazer as suas leis. Assim, em 1986, a Austrália do Sul descriminalizou o uso da maconha – quem é pego paga apenas uma multa. Nos anos seguintes outros três territórios adotaram leis semelhantes. Em 2002, a Austrália Ocidental também descriminalizou o cultivo de até dois pés de maconha por usuário. Segundo diferentes estudos, o uso da droga não aumentou em nenhum desses estados.

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