Descriminalizar as drogas leves pode contribuir tanto para a paz quanto as UPPs
Como todas as guerras, a do Rio de Janeiro é também econômica. Durante décadas, os governantes conduziram uma política de boa vizinhança com os criminosos. O passo seguinte foi a transformação das autoridades em sócios informais do crime. As explosões de violência eram pontuais. Em geral, estavam mais ligadas a guerras internas de traficantes pelo domínio de bocas de fumo do que a confrontos com policiais. Uma disputa territorial, com foco na conquista de mercados.
Com o passar dos anos, esse negócio foi se sofisticando. Passou a utilizar armas poderosas e a movimentar cifras bilionárias, que vão além do comércio local de drogas. O Rio se transformou num entreposto do tráfico internacional, comandado a partir das favelas. Nesse modelo perverso, a maior vítima era a população trabalhadora dos morros. Gente alvejada pelo fogo cruzado e morta “em combate” nas subidas das tropas de elite. Enquanto os consumidores continuavam enrolando em paz seus baseados, os policiais corruptos faziam seu pé-de-meia protegendo bandidos e liberando usuários endinheirados. Capitães Nascimento reais, se existem, colocavam a vida em risco a troco de nada.
De alguns anos para cá, tentou-se inverter essa lógica com as Unidades Policiais Pacificadoras (UPPs). E a gente honesta das favelas, antes à mercê da “proteção” criminosa, passou a enxergar uma referência do poder público. O que se viu na semana passada, segundo as autoridades, seria uma resposta dos traficantes à presença do Estado. E as UPPs foram a principal bandeira para a segurança de Dilma Rousseff na campanha. Dilma também não se cansou de alfinetar uma proposta do ex-presidente FHC: a de se debater a descriminalização das drogas leves, como já fazem economistas e líderes de países afetados pela guerra do tráfico.
A questão é que as duas políticas, UPPs e descriminalização, não são antagônicas. Mais de 80% das pessoas que utilizam substâncias proibidas no mundo são usuárias de entorpecentes leves, como a maconha. O crack, que avança nas periferias, só prospera porque é a mais barata das drogas. Seu comércio é até antieconômico para o traficante, pois mata o “cliente” em um ano. Controlado, fiscalizado e tributado pelo Estado, o comércio de drogas leves se tornaria menos rentável. Além do mais, liberaria recursos para políticas mais efetivas de combate à violência, como o controle da entrada de armas nas fronteiras. E o mais importante é que colocaria fim à hipocrisia da sociedade brasileira: os que hoje aplaudem a polícia nos morros são os mesmos que, no fim do dia, dão seus “tecos” por aí. E, partindo dos pressupostos de que a repressão à oferta não reduz o consumo e de que a sociedade não aceitaria a polícia agindo com a mesma força na zona sul, é hora de discutir a sério a legalização.
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