A compilação de citações abaixo é um ótimo histórico de como e por que foi necessária a criação da palavra "enteógeno".
O original em inglês pode ser lido no site do Council on Spiritual Practices.
Sobre a nomenclatura para substâncias similares à mescalina e por que isso importa
compilado por R. Jesse
1957:
Tenho tentado encontrar um nome apropriado para os agentes em questão: um nome que incluirá os conceitos de enriquecer a mente e expandir a visão [de mundo]... Minha escolha -- por ser clara, soar bem e não estar contaminada por outras associações -- é "psicodélico", manifestador da mente. [destaque adicionado]
-- Humphry Osmond, "A Review of the Clinical Effects of Psychotomimetic Agents," Annals N.Y. Acad. Sci., 14 de março de 1957
Outros significados:
As lâmpadas cônicas contém um fluído aquoso e a "lava". Quando a "lava" é aquecida, ela se torna menos densa e sobe, então esfria e escorrega de modo psicodélico até o fundo.
– The New York Times, "In Kitsch, a Solution", 13 de janeiro de 1998
Mas, como parentes distantes de outros países, minhas barbies de Nova York nunca encontraram suas irmãs suburbanas. As meninas do meio oeste estão um pouco datadas, ainda cobertas com calças e blusas psicodélicas e cabelo estilo Jackie Kennedy.
– The New York Times, "Barbie Moves to the Village", 5 de abril de 1998
[o artigo original contém outros exemplos de uso da palavra "psicodélico" pela mídia, sem conexão com o sentido original]
1967:
Hoje, a palavra "psicodélico" é tão conhecida que já é usada na publicidade. Mas seu significado ficou mais obscuro enquanto sua fama aumentou. O que é psicodélico? Um estilo para letras em pôsters? A pulsação ensurdecedora de uma banda de rock? Efeitos caleidoscópicos de luzes que cansam os olhos? Ou absolutamente qualquer coisa que alguém queira vender?
As modas psicodélicas vão passar, e a palavra "psicodélica" talvez vá com elas. Ela pode ter perdido sua capacidade de se referir a um elusivo e precioso estado de consciência. Diga "psicodélico" e você ouve a voz eloquente do vendedor, o tom hipócrita do charlatão, a tagarelice racionalizadora dos desperdiçadores sem-propósito.
Mas isso não é o que Humphry Osmond queria dizer com a palavra. "Psicodélico" era uma boa palavra. Uma sociedade doente degenerou a referência e, assim, o nome. Precisamos de um novo nome e um novo conceito.
– Lisa Bieberman, "Phanerothyme: A Western Approach to the Religious Use of Psychochemicals" (Cambridge, MA: Psychedelic Information Center, 1968)
1979:
Todas as línguas evoluem junto com as pessoas que as empregam, pegando emprestado ou inventando termos para acompanhar o novo e aposentando outros quando não são mais necessários. Quando o recente surto no uso recreativo das chamadas drogas "alucinógenas" ou "psicodélicas" ganhou atenção pública pela primeira vez no começo dos anos 60, isso era geralmente visto com suspeita, sendo associado com o comportamento de grupos depravados ou revolucionários...
Das muitas palavras propostas para descrever essa classe única de drogas, apenas algumas estão vivas no uso corrente. O argumento dos autores que colocaram seus nomes neste artigo é que nenhum desses termos realmente merece uma longevidade maior se a nossa língua não for perpetuar as incompreensões do passado...
"Psicodélico" não apenas é uma formação verbal incorreta, mas a palavra ficou tão investida de conotações da cultura pop dos anos 60 que é impróprio falar de um xamã consumindo uma droga "psicodélica".
Nós, então, propomos um novo termo, que seria apropriado para descrever estados xamânicos ou de possessão extática induzidos por drogas que alteram a mente. Em grego, a palavra "entheos" significa literalmente "deus (theos) dentro", e era usada para descrever a condição de alguém inspirado ou possuído pelo deus que entrou no corpo. Era aplicado para transes proféticos, paixão erótica e criação artística, assim como em rituais religiosos em que estados místicos eram vivenciados através da ingestão de substâncias inseparáveis da deidade. Em combinação com o grego "gen", que significa a ação de "tornar-se", essa palavra resulta no termo que estamos propondo: enteógeno.
– Carl A.P. Ruck, Jeremy Bigwood, Danny Staples, Jonathan Ott e R. Gordon Wasson, "Entheogens", Journal of Psychedelic Drugs, Vol 11(1-2) Jan-Jun 1979, 145-6
1980:
Enteógeno (neologismo): "Deus dentro de nós"; são aquelas substâncias de plantas que, quando ingeridas, provocam uma experiência divina. Antes eram geralmente chamadas de "alucinógenos", "psicodélicos", "psicotomiméticos" etc, às quais objeções sérias podem ser feitas para cada uma.
Um grupo liderado pelo acadêmico especialista em grego Carl A. P. Ruck propõe "enteógenos" como uma palavra que satisfaz plenamente essa necessidade -- principalmente por capturar as ricas ressonâncias culturais evocadas por tais substâncias, cobrindo uma vasta área do mundo na proto- e pré-história... Somos a favor da adoção desta palavra.
O homem primitivo, por toda Eurásia e Américas, descobriu as propriedades dessas substâncias e às tratava com profundo respeito e até pavor, cercando-as com lacres secretos. Agora estamos redescobrindo o segredo e deveríamos tratar os "enteógenos" com o respeito que, ricamente, lhes era dado. Como nos comprometemos a explorar seu papel na antiga história das religiões, devemos tratá-los com um nome que não tenha sido vulgarizado por abuso hippie.
– R. Gordon Wasson, "The Wondrous Mushroom: Mycolatry in Mesoamerica" (NY: McGraw-Hill, 1980), xiv
1993:
Um livro recente descartou "enteógeno" como "uma palavra desajeitada sobrecarregada com bagagem teológica" (T.K. McKenna 1992), o autor tendo falhado em apreciar seu sentido não-teológico e estando, aparentemente, não informado sobre como era usada na Grécia antiga. Despropositadamente, a palavra foi desdenhada por sua suposta "bagagem teológica" em um livro chamado "Alimento dos deuses"! ...
A palavra "enteógeno" tem sido usado por muitos dos especialistas líderes na área, incluindo J. Bigwood, M.D. Coe, J.L Díaz, W. Doniger (O'Flaherty), W.A. Emboden, A. Escohotado, J. Fericgla, P.T. Furst, J. Gartz, G. Guzmán, J. Halifax, A. Hofmann, F.J. Lipp, B. Lowy, D.J. McKenna, E. MacRae, B.R. Ortíz de Montellano, C.A.P. Ruck, R.E. Schultes, R.G. Wasson e outros; embora alguns, como W. La Barre e A.T. Shulgin tenham evitado-a (La Barre 1988). Enteógeno tem aparecido amplamente em mídia impressa em inglês, alemão, francês, italiano, português e espanhol...
– Jonathan Ott, "Pharmacotheon: Entheogenic drugs, their plant sources and history" (Kennewick, WA: Natural Products Co., 1993), 104-5
1994:
A etnobotânica, em vez da antropologia, foi pioneira no estudo dessa extraordinária classe de plantas -- os alucinógenos botânicos -- empregada por xamãs de alguns povos nativo-americanos para facilitar o transe extático, que é um componente indispensável do xamanismo...
Todas as plantas são encaradas como tendo almas ou espíritos, mas os chamados alucinógenos, são de uma outra ordem. Seus usuários creditam seus efeitos fantásticos (vindos das próprias plantas ou de combinações) -- que a ciência sabe derivar de certos alcalóides -- a um poder sobrenatural. As plantas são sagradas e pelo menos algumas são vistas como personificações de deidades que precisam ser tratadas com cuidado e oferendas, do contrário elas voltam seus poderes contra quem usa.
Devido a essas qualidades especiais, alguns estudantes do fenômeno propuseram abandonar [a palavra] "alucinógenos" e substituir por "enteógenos", um termo composto que significa "deidade interior" ou "deus dentro", assim expressando com mais exatidão o significado no universo indígena.
– Peter T. Furst, "An Overview of Shamanism," em "Ancient Traditions: Shamanism in Central Asia and the Americas"
(Niwot, CO: University Press of Colorado and Denver Museum of Natural History, 1994), 16-7
1996:
Uma vez, quando um jornalista casualmente se referiu ao peyote (um enteógeno clássico) como uma droga, um xamã Huichol respondeu: "Aspirina é uma droga, o peyote é sagrado".
– Robert Forte, na introdução de "Entheogens and the Future of Religion" (SF: CSP, 1996), 1
2000:
A nomenclatura tem sido um problema... A palavra "psicodélico" é etimologicamente neutra, significando no sentido literal "manifestador da mente", mas é datada, associada à "psicodelia dos anos 60" -- quando o uso recreativo de drogas passou a dominar -- e assim claramente inapropriada quando falamos de xamãs, Eleusis, e a Igreja Nativa Americana.
Precisamos de uma palavra que designe substâncias não-viciantes alteradoras da mente que são abordadas com seriedade e reverência, e a palavra "enteógenos" faz exatamente isso.
– Huston Smith, "Cleansing the Doors of Perception" (New York: Tarcher/Putnam, 2000)
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