JUCA FERREIRA - Folha de São Paulo, 3 de junho de 2010.
TENDÊNCIAS/DEBATES
Fatores de ordem cultural são determinantes na constituição de padrões reguladores do consumo de todos os tipos de "drogas"
Com o lançamento do livro "Drogas e Cultura: Novas Perspectivas", editado em parceira com a Universidade Federal da Bahia, o Ministério da Cultura espera contribuir para uma maior eficácia das políticas públicas sobre "drogas" no país.
Não poderíamos nos furtar a essa discussão, pela gravidade crescente de que se reveste e, sobretudo, porque a dimensão cultural da questão não pode estar ausente, se quisermos desenvolver uma ação responsável sobre o assunto.
O consumo de "drogas" sempre remeteu a várias esferas da vida humana. Fatores de ordem moral e cultural possuem ação determinante na constituição de padrões reguladores ou estruturantes do consumo de todos os tipos de "drogas".
A cultura não é apenas um componente a mais, ela é de fundamental importância. Sentimos que a sociedade não está sabendo tratar o tema das drogas.
Ele não é apenas um caso de polícia e de saúde pública. Com "droga" ou sem "droga", os seres humanos, ao longo do tempo, têm buscado ampliar o horizonte do real.
Parece ser algo intrínseco à natureza.
Não podemos continuar tendo uma visão simplista e superficial sobre o assunto. Não se trata de desconsiderar os riscos e as complexidades bioquímicas do uso dessas substâncias, mas de abrir mais espaço para esse tipo de reflexão na discussão sobre as "drogas".
A militarização no combate às "drogas" está perdendo a batalha em todo o Ocidente e também no Oriente. Essa ação não tem diferenciado o usuário do traficante; para ela, o consumidor é um cúmplice.
Não basta a descriminalização.
Algumas drogas, como o crack, viciam e geram dependência, com consequências devastadoras, inclusive parte das drogas legais.
A bebida, por exemplo, tem presença maciça nos acidentes de trânsito, e muitos remédios causam níveis altos de dependência. Entretanto, não podemos imputar à cultura a possibilidade de solucionar o problema. A cultura entra como mais um componente de uma análise multidisciplinar, mas de fundamental importância.
A diferenciação entre o consumo próprio, individual ou coletivo, e o tráfico ainda não foi totalmente estabelecida. A ausência de tal distinção acarreta um tratamento de desconfiança moral, policial e legal diante de todos os usuários de substâncias psicoativas, independentemente de seus hábitos e dos contextos culturais.
Existem drogas legais e drogas ilegais. Drogas leves e pesadas.
Drogas que criam dependência e drogas que não criam. Precisamos balizar de modo mais atento e detalhado as relações entre os usos, os consumos, a circulação e os direitos privados dos cidadãos.
Devemos incorporar compreensão "antropológica" sobre as substâncias psicoativas, abordagem mais voltada para a atenção aos comportamentos e aos bens simbólicos despertados pelos diversos usos culturais de "drogas", tanto no nível individual quanto social.
Precisamos exercer um papel propositivo na elaboração da atual política nacional sobre a matéria, buscando sempre a ênfase na redução dos danos.
Ao desconhecer certas singularidades e ignorar os diversos contextos culturais, acabamos por tratar de modo estanque e indiferenciado as distintas apreensões culturais e nos tornamos incapazes de distinguir as implicações dos múltiplos usos das "drogas".
As "drogas" estão na sociedade e nas culturas, portanto, não podem ser entendidas fora delas.
Nossos pesquisadores e nossa legislação devem, em alguma medida, levar em consideração a dimensão cultural, para cunhar políticas públicas mais eficazes e mais adequadas à contemporaneidade.
JUCA FERREIRA, sociólogo, é ministro da Cultura.
bom
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