quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Deu errado

Fonte: Folha de São Paulo

DENIS RUSSO BURGIERMAN

Nos EUA e na Europa, a política da maconha está mudando. No Brasil, porém, o debate travou. Seguimos nos inspirando em fracassos do passado, em Nixon

É inevitável que a guerra global contra a maconha acabe. Isso porque simplesmente não é possível acreditar que a humanidade continue insistindo em algo que deu tão errado. Seria muita burrice.

A proibição global da maconha é uma estratégia recente. Surgiu nos anos 1960, em resposta à contracultura hippie. Em 1971, o então presidente americano Richard Nixon batizou essa estratégia: era a "guerra contra as drogas", uma tentativa de usar a polícia e a justiça criminal para evitar que as pessoas usassem substâncias psicoativas.

Foi provavelmente a política pública mais desastrosa de toda história do homem na Terra.

A tal guerra não apenas não funcionou para evitar que as pessoas fumassem maconha: ela levou a um enorme aumento do uso, graças aos lucros surreais que a ilegalidade proporciona. Ainda mais assustador é que, por causa da proibição, surgiram drogas mais potentes e perigosas, como o crack.

O pior de tudo é que a indústria de drogas, longe da fiscalização dos governos, acabou enriquecendo bandidos e hoje há organizações criminosas milionárias com poder para adquirir armamentos de guerra e corromper polícia, justiça e governo.

Como essa guerra, em vez de resolver o problema, faz com que ele piore, os gastos dos governos ficam maiores a cada ano. Ou seja, a proibição, além de não funcionar e de gerar uma série de novos problemas, é caríssima -e fica cada vez mais cara, desviando recursos que poderiam ser usados fins mais construtivos, como saúde e educação.

A guerra não acabou até hoje por um só motivo: os políticos.

É que eles são dependentes de droga. Quer dizer, não exatamente de droga: eles dependem é de que a guerra contra as drogas continue.

Políticos sabem que a mais poderosa das emoções humanas é o medo: é muito mais fácil ganhar votos assustando as pessoas do que com um esforço racional de imaginar sistemas mais inteligentes. É por isso que, apesar de ter ficado óbvio que é preciso mudar de rumo, políticos do mundo inteiro continuam defendendo a manutenção da guerra.

Felizmente, em praticamente todos os países de nível razoável de desenvolvimento, a sociedade civil está arrancando das mãos dos políticos as rédeas dos sistemas para lidar com drogas. Na Espanha, por exemplo, surgiu, com respaldo dos tribunais, um movimento que está se espalhando pelo mundo: cooperativas de usuários de maconha, que cultivam para seus sócios sem fins lucrativos, de maneira a tirar dinheiro do bolso dos traficantes.

Outro movimento popular foi o que nasceu na Califórnia, em defesa do direito de pacientes de câncer, Aids, glaucoma, esclerose múltipla e várias outras doenças de usar maconha como remédio. Dezenove Estados americanos já conseguiram, através de abaixo-assinados e plebiscitos, legalizar o uso medicinal, enfraquecendo o tráfico, que perdeu milhões de clientes.

Agora, pela primeira vez em 50 anos, alguns lugares começam a dar um passo além e legalizar a maconha, mesmo que para o uso recreativo. É o que aconteceu no mês passado, por plebiscito, nos Estados americanos do Colorado e de Washington -mais de US$ 1 bilhão de receita extra de impostos irão para a saúde e a educação. É também o que deve acontecer nos próximos meses no Uruguai, com um sistema estatal de produção de maconha.

No Brasil, no entanto, a mudança ainda não começou, porque o debate está travado pelos políticos de todos os partidos. Paralisado pela dependência, nosso Congresso, em vez de imaginar o sistema de drogas do futuro, segue se inspirando em fracassos do passado. Quase todas as três dezenas de projetos de lei em tramitação são reedições da política de Nixon.

Em defesa de Nixon, ele não tinha como saber que suas ideias dariam tão errado. Os políticos brasileiros sabem -ou deveriam.

DENIS RUSSO BURGIERMAN, 39, jornalista, é diretor de Redação das revistas "Superinteressante" e "Vida Simples". Escreveu "O Fim da Guerra" (Leya), sobre as políticas de drogas

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