quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vício: natureza ou hábito?'

Fonte: Folha de São Paulo

RICHARD A. FRIEDMAN, M.D.

Por que alguns sobrevivem ao uso abusivo de drogas e álcool, enquanto outros sucumbem ao vício? Cientistas começaram a encontrar a resposta.

Segundo a Pesquisa Nacional sobre o Uso de Drogas e Saúde de 2008, 46% dos americanos experimentaram uma droga ilícita. Mas só 8% a utilizaram no último mês. Em comparação, 51% usaram álcool no último mês.

A maioria dos que experimentam drogas não se vicia, portanto. Então, quem corre o risco?

Os clínicos sabem que os pacientes com certos tipos de doenças psiquiátricas -incluindo distúrbios de humor, ansiedade e personalidade- têm maior probabilidade de se tornarem viciados. Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental, em seu Estudo Epidemiológico de Área de Atendimento, os pacientes com problemas de saúde mental apresentam quase três vezes mais chances de ter um distúrbio aditivo do que os que não têm.

Contrariamente, 60% das pessoas com distúrbio de abuso de substâncias também sofrem outra forma de doença mental. Ainda não está claro se o vício predispõe alguém à doença mental ou vice-versa.

Cientistas sabem que ter uma doença mental também aumenta significativamente o risco de dependência e vício. O senso comum é que a ligação representa uma forma de "automedicação" -isto é, as pessoas estão "medicando" seu sofrimento.

O álcool e as drogas afetam o humor e o comportamento ao ativar os mesmos circuitos cerebrais que sofrem distúrbios nas principais doenças psiquiátricas. Não é de surpreender, portanto, que pacientes deprimidos e ansiosos recorram ao álcool e a outros sedativos. Mas essas substâncias são antidepressivos terríveis que agravam o problema subjacente, levando a uma espiral descendente de depressão e vício.

Certos distúrbios de personalidade -pacientes narcisistas ou pessoas com transtorno de personalidade limítrofe- também têm maior probabilidade de abuso de drogas e álcool.

Mas novas evidências sugerem que o abuso de drogas também pode ser um distúrbio cerebral desenvolvimental, e que as pessoas que se tornam viciadas têm uma estrutura diferente daquelas que não se tornam.

A doutora Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, demonstrou, em vários estudos, que os viciados em drogas têm menos receptores de dopamina nos caminhos de recompensa do cérebro do que os não viciados. A dopamina é crítica para a experiência do prazer e do desejo.

Quando ela comparou as reações de viciados e controles normais que receberam um estimulante, descobriu que os controles com grande número de receptores D2, um subtipo de receptores de dopamina, o achavam repulsivo, enquanto os viciados com níveis baixos de receptores o achavam agradável.

Isso sugere que os cérebros dos viciados podem ter sistemas de recompensa entorpecidos, e que os prazeres cotidianos não chegam perto da poderosa recompensa das drogas.

Mas as pessoas também são influenciadas pelo ambiente. A cantora Amy Winehouse, 27, cuja batalha com o vício amplamente noticiada parece ter tido papel importante em sua morte no mês passado, trafegava em um mundo aparentemente inundado por drogas ilícitas e álcool. Até as pessoas que não são predispostas ao vício podem se tornar dependentes de drogas e álcool com a exposição constante, como revelaram estudos.

Os primatas, que não são predispostos ao vício, tornam-se usuários compulsivos de cocaína conforme os receptores D2 declinam no cérebro, notou a doutora Volkow. E uma maneira de produzir esse declínio é colocar os animais em situações sociais estressantes, em que há fácil acesso às drogas. Parece que os humanos também, independentemente do risco genético, podem se tornar viciados nas circunstâncias certas.

Essa ideia tem profundas implicações para o tratamento. O uso de drogas em longo prazo geralmente começa na adolescência, quando o cérebro é mais maleável. Nas pessoas mais vulneráveis, o abuso de substâncias deve ser confrontado cedo.

Quem pode experimentar drogas sem maiores consequências e quem será destruído por elas resulta de uma interação complexa de genes, ambiente e psicologia. E de pura sorte.

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