segunda-feira, 16 de maio de 2011

Lei e jurisprudência não definem conceito de tráfico

Fonte: Consultor Jurídico

POR MARÍLIA SCRIBONI

"Depende da comarca, da vara ou da turma onde o pedido vai parar". A resposta para a pergunta: "qual a relação existente entre quantidade de droga apreendida e o tamanho da pena a ser cumprida?", embora seja do criminalista Thiago Anastácio, encontra eco nas afirmações de todos os operadores do Direito entrevistados pela ConJur sobre o assunto. Eles concordam: a diminuição da pena, nesses casos, tem pouco de lei e muito mais de sorte.

A complexidade ficou demonstrada, por exemplo, na decisão, publicada na última segunda-feira (9/5), da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os desembargadores, analisando Embargos Infringentes, decidiram que a quantidade de entorpecente encontrada com um traficante seria suficiente para agravar sua pena. O caso já tinha sido votado no dia 26 de abril, mas, como foi registrado entendimento heterogêneo, teve que ser analisado mais uma vez.

Os autos informam que o desembargador Pedro Coelho aplicou uma pena mais branda ao acusado. Na análise do recurso, o desembargador Adilson Lamounier, relator, entendeu que a quantidade da droga não poderia influenciar na valoração da pena. Segundo ele, “as circunstâncias do crime foram normais para o crime de tráfico de drogas — artigo 33 da Lei 11.343/06, não podendo a quantidade de droga apreendida, por compreender requisito autônomo, segundo disposto no artigo 42 da mesma lei, interferir nesta valoração”.

Como lembra o criminalista Sergio Salomão Shecaira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, não chega a definir o que é tráfico. O que o legislador fez, segundo ele, foi expor 18 verbos que levam a crer que o crime ali tratado é o de tráfico de entorpecentes. Estão lá as palavras "importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer".

Ainda assim, acredita o advogado Augusto de Arruda Botelho, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a lei peca ao não conceituar o que é o tráfico propriamente dito e o que é porte, abrindo espaço para decisões que classifica como “equivocadas”. “O maior erro de interpretação está no julgador, e não no legislador”. E aí surge o segundo ponto no qual os operadores do Direito concordam: a decisão final é reflexo, muito mais, das convicções pessoais do juiz do que do próprio espírito da lei. Com isso, divergir sobre o assunto é consequência óbvia.

Sem a fixação do que é tráfico e o que é porte, o dependente químico que armazena, por exemplo, grande quantidade de maconha para consumo próprio, torna-se alvo recorrente de erros de interpretação. “É preciso ter cuidado, porque a pessoa que é doente não é problema para o Judiciário, mas sim para a saúde pública”, lembra Arruda Botelho.

Para o advogado, o que continua a valer é o in dubio pro reo. Ou seja, na dúvida, a decisão tem de ser a favor do acusado. “Alguns juízes levam em consideração critérios como o local do flagrante, a forma que a droga estava acondicionada e a posse de dinheiro com o acusado. Isso, por si só, não diz se a prática é tráfico ou não. É preciso investir em todos os elementos possíveis, como testemunhas e filmagens, para evitar decisões equivocadas”, acredita.

Perigo do achismo
Leonardo Sica, membro do conselho diretor da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), acredita que “os juízes aplicam a lei de maneira errática”. “Eles fazem cálculos aleatórios, que muitas vezes não fazem sentido. A falta de definição legal abre espaço pra opinião pessoal do juiz. Esse critério moral é muito perigoso e varia dependendo de o juiz ser mais liberal ou mais conservador”, critica.

O problema seria sanado, ele acredita, com maiores investimentos na produção de provas. “Como o juiz quase nunca manda produzir, não há meios de saber se a droga é para consumo ou comercialização”.

A indefinição não é só legal, mas guarda relação também com a jurisprudência, afirma Sica. Segundo ele, o Superior Tribunal de Justiça, a quem caberia uniformizar a jurisprudência, tampouco é unânime no assunto. “O embate é bom na primeira e na segunda instância, porque cria uma discussão saudável. Mas não é o que acontece no STJ. Se o caso cair nas mãos da 5ª Câmara Criminal, o acusado não consegue o Habeas Corpus. Se for na 6ª, consegue liberdade”.

Também é da mesma opinião Thiago Anastácio, outro associado ao IDDD. Para ele, a distribuição define o resultado. “Há juízes que acham que o tráfico é o grande mal da sociedade, que precisa ser combatido de todo o jeito. Mas não há um combate efetivo. O Judiciário não distingue aquele que é usado pelo tráfico daquele que é traficante”.

Para Anastácio, a quantidade de droga é o que menos importa. “Seria melhor analisar os motivos do crime e a situação sócio-econômica do acusado, por exemplo”. E completa: “na maior parte dos casos que chegam às instâncias superiores, os juízes de primeiro e segundo graus simplesmente optaram por não obedecer a lei. Quando o Supremo Tribunal Federal e o STJ decidem contra esse entendimento primeiro, chovem pedidos de HC”.

Um comentário:

  1. Tem que por uma quantidade! por que nao fazem isso? medo de provocar uma onda de protestos da pm? afinal vao perder esse dinheiro da estorçao vai ter que rola aumento.

    ResponderExcluir