do Público
Um plantador de cannabis suíço está há 79 dias sem comer para contestar a pena a que foi condenado. A sua história já não é só um protesto, é um imbróglio político e judicial.
Quando entrou em greve de fome Bernard Rappaz pesava 90 quilos, agora terá 58. Está há mais de dois meses sem comer para protestar contra a pena a que foi condenado – cinco anos e oito meses de prisão por violação da lei sobre estupefacientes e branqueamento de dinheiro. Enfraqueceu, foi hospitalizado mas não desiste. Por isso as autoridades não sabem o que fazer.
O que está em causa é a vida deste homem de 57 anos, de barba e cabelos longos e grisalhos. Mas o que está acontecer na Suíça é também um acalorado debate político e uma disputa entre a justiça e os médicos. O tribunal federal ordenou a alimentação forçada de Bernard Rappaz, que a 21 de Outubro foi internado numa ala dedicada a prisioneiros num hospital de Genebra, e os médicos recusam cumprir essa deliberação por ir contra a vontade expressa do paciente. Deste braço-de-ferro ainda não resultou qualquer decisão, Rappaz continua determinado a não comer.
O diário “Le Temps” apelava ontem para que se inventasse “uma saída para a crise política”, enquanto o francês “L’Express” perguntava em título “Pode deixar-se morrer um grevista de fome?” e o diário suíço “Tribune de Genéve” questionava se seria possível “uma solução humanitária para salvar Rappaz”. Não parece haver muito tempo para tomar uma decisão.
Detido a 22 de Março, depois de esgotar todas as hipóteses de recurso, Rappaz contesta a pena a que foi condenado, está consciente e recusa qualquer assistência médica, mesmo se entrar em coma. Um dos seus objectivos será levar os jornais a falar do seu caso e da questão da despenalização da cannabis. “Se os media falam, a greve torna-se um acontecimento e a opinião pública toma partido, torna-se uma instância de julgamento para evitar que o pior aconteça”, disse à AFP Pascal Viot, professor da Escola Politécnica Federal de Lausanne. Com a divulgação do protesto de Rappaz, têm aumentado os apelos a uma solução humanitária, mas também se fizeram ouvir os argumentos de quem defende que a decisão da justiça deve prevalecer, aconteça o que acontecer.
O tribunal federal, que na Suíça é uma instância jurídica equivalente ao Supremo Tribunal, incumbiu as autoridades de fazer aplicar a decisão de alimentar Rappaz de forma forçada, o que está a ser contestado pelos médicos, que acreditam que esta decisão vai contra “o respeito absoluto pela vontade do paciente com capacidade de discernimento”, o que é o mesmo que dizer que vai contra a ética médica.
Médicos tornados "reféns"
“As autoridades político-judiciárias tomaram como reféns os médicos ao intimá-los a alimentar à força um grevista de fome encarcerado, o que é uma prática contrária à ética médica”, adiantou à AFP o director do instituto de ética biomédica da Universidade de Genebra, Alexandre Mauron. “A justiça quer fazer dos médicos servidores de um outro interesse: o prestígio e a credibilidade do sistema judiciário suíço”, adiantou.
O problema, salientou um especialista em direito federal suíço citado pelo “Le Temps”, é que ao recusar cumprir uma decisão judicial os médicos podem ser acusados de cometer uma infracção. Podem até ser acusados de “homicídio intencional por omissão” e de violar o dever “de prolongar a vida do paciente, adiantou à AFP Ursula Cassany, professora de Direito Penal na Universidade de Genebra.
No palco político o caso de Rappaz está também a gerar uma forte polémica, tendo sido marcada para dia 18 uma reunião à porta fechada das autoridades políticas do cantão de Valais, a região montanhosa onde Rappaz tinha a sua plantação de cannabis. Vários apoiantes fizeram cartazes e t-shirts, lançaram uma campanha na Internet para pedir a libertação.
O partido União Democrática do Centro (UDC), de direita populista, já tomou posição e defendeu que “as autoridades devem passar a mensagem de que a chantagem não surte efeito e não devem ceder”. À esquerda, Ueli Leuenberger, dos Verdes, defendeu a suspensão da pena e disse ao “Le Matin” que “não se pode assistir à morte de Rappaz sem fazer nada”.
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