quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Prisão de universitários reabre a polêmica sobre a maconha

do JCNET

Sete mudas de maconha cultivadas em vaso e duas plantadas no quintal. A localização do pequeno “jardim”, ocorrida no mês passado, foi o estopim que reacendeu uma discussão já antiga e que tem chances de se desdobrar por mais alguns anos a fio: afinal, a maconha deve ser legalizada?

Em torno dessa questão, outras surgem: quais os parâmetros que definem o que é ou não um criminoso? Plantar em casa, mesmo para o próprio consumo, também é tráfico?

Ideologia, hipocrisia, lei, abusos e, principalmente, interpretações diferentes, o fato é que o consumo da substância é mais comum do que se imagina e pode ocorrer tanto nas favelas, prisões, moradas estudantis quanto em meio aos engravatados que trabalham em escritório de bairro chique.

Em meio ao rigor e a tabus, há casos que geram mais polêmica em razão dos debates envolvendo a distância entre tráfico e consumo. Um destes episódios emblemáticos foi a prisão dos universitários, em Bauru.

Quatro jovens moradores de uma república estudantil no bairro de Higienópolis foram presos, acusados de tráfico de entorpecentes, após policiais militares encontrarem duas plantas de maconha cultivadas em jardim e outras sete em vasos dentro da moradia.

Nathan André Luís Valesko Blaske, de 23 anos e Paula Alves de Miranda, 27 anos, estudantes de arquitetura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru; João Felipe Morel Alexandre, 23 anos, que cursa biologia no mesmo câmpus, além do arquiteto Daniel Igor Tofolo Pereira, 25 anos, foram encaminhados ao Plantão Policial, onde foram autuados pelo delegado Ronaldo Divino Ferreira.

Em seguida, os rapazes foram remetidos para Duartina, de onde seguiram para o Centro de Detenção Provisória em Bauru. A garota foi encaminhada à cadeia de Avaí. Os acusados permaneceram presos durante três dias, período em que a Justiça levou para acatar o pedido de liberdade provisória, impetrado pelo advogado Maximiliano Biem Cunha Carvalho, que defende os quatro jovens.

A localização da cannabis cultivada ocorreu após o recebimento de denúncias anônimas sobre suposta distribuição de drogas durante festas na república. A Polícia Militar foi à moradia munida de mandado de busca e apreensão, após denúncias terem sido recebidas pelo Grupo de Atuação especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), composto por promotores do Ministério Público Estadual.

Pesos e medidas

A classificação dos envolvidos na condição de acusados por tráfico, argumenta o delegado responsável pela autuação dos universitários, no caso, Ronaldo Divino Ferreira, é justificada pela localização, segundo ele, de apetrechos que remeteriam à distribuição de drogas.

“Haviam pressupostos legais que indicam tráfico”, assegura o policial, citando objetos como triturador, fita crepe, tábua, entre outros apetrechos que, de acordo com ele, serviriam para moer e embalar as folhas para eventual distribuição.

Recipientes com pequenos tabletes – um deles possuía a data de colheita – também foram encontrados pela PM. “Não é normal cultivar a planta entorpecente simplesmente para consumir”, considera o delegado.

Já o advogado dos estudantes garante que vai lutar pela desclassificação da acusação de tráfico, que, segundo ele, não se aplicaria aos jovens. A solicitação de liberdade provisória dos envolvidos é embasada, segundo a petição, pela boa conduta dos estudantes no ambiente acadêmico agregada ao fato de terem residência fixa, além de serem réus primários.

Uma hipotética condenação por tráfico, teoriza a defesa, causaria em danos incomensuráveis ao futuro dos jovens. “São estudantes, monitores na faculdade e que atuam em conjunto com alguns professores. Acarretaria um prejuízo enorme para o futuro deles”, acredita Carvalho, ao considerar subjetivos alguns pontos em que a chamada Lei dos Entorpecentes (11.343/2006) se refere ao tráfico.

“Apesar de muito bem especificado, depende do modus operandi para incorrer em tráfico. Não é apenas um verbo que está no artigo que configura o tráfico. Tem de haver várias outras circunstâncias para a caracterização do tráfico”, opina o advogado, sem, entretanto, externar mais detalhes sobre a defesa que pretende montar. “Eles se arrependem totalmente. Os pais até comentaram: foi algo inconsequente, uma brincadeira”, acentua.

Silêncio

Procurados pela reportagem, os acusados de plantar maconha em uma república de Bauru, instruídos pelo advogado, optaram por não falar durante o andamento do processo à reportagem.

Segundo vizinhos da morada estudantil, os jovens, ao menos aparentemente, não teriam as características de quem faria da república um ponto de venda de entorpecentes.

De acordo com uma pessoa que trabalha próxima à casa onde foram encontrados os pés de maconha, os jovens apenas teriam o estereótipo geralmente atribuído a usuários. “Eles têm o visual meio ‘hippie’, mas é só isso. Não parecem bandidos”, observa um vizinho ouvido pela reportagem.

Por outro lado, conforme informações extraoficiais passadas por uma fonte ligada ao Ministério Público e polícia, existiriam rumores de que os acusados supostamente passariam drogas também no câmpus.

Após procura por entrevistas também na residência onde houve o flagrante, apenas um dos envolvidos foi encontrado, mas se restringiu a falar apenas em depoimentos policiais e judiciais. Aparentando nervosismo, o pai de um dos acusados também atendeu a reportagem - que não passou do portão -, mas negou-se a dar qualquer tipo de declaração.

Interpretação

As apurações sobre suposto crime de tráfico envolvendo os quatro jovens que cultivavam maconha em uma república de Bauru estão ao cargo da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise).

De acordo com o delegado Milton Bassoto Júnior, titular da unidade especializada e que preside o inquérito, a diferenciação feita pela legislação é sobre o chamado “tráfico privilegiado”, quando, segundo ele, o consumo de pequena quantidade é dividido.

“Se a pessoa tem lá uma ‘muca’ para fumar entre várias pessoas, isso é chamado de tráfico privilegiado. É elaborado um termo circunstanciado (boletim de ocorrência caracterizado pelo registro de infrações de menor vulto), mas ela não vai presa”, detalha.

Entretanto, reconhece, a polícia tem a incumbência de fazer a autuação caso encontre indícios de distribuição de entorpecentes. “É nossa responsabilidade”, comenta Bassoto que, em seguida, pondera: “Por exemplo, uma casa, uma república de estudantes. Você sabe que ali o pessoal fuma para ‘curtir’, não tem o caráter de tráfico, de arguir lucro. É farra”, observa.

Mesmo assim o delegado respeita a decisão policial em autuar os garotos, justamente pelo episódio dar margens a interpretações diferentes. “Poderia haver um delegado que tivesse outra interpretação e não prendesse os jovens. Cada um tem o seu convencimento. Igual ao juiz quando vai aplicar a pena”, compara.

A partir da prisão dos acusados, a Dise tem 30 dias para relatar o inquérito à Justiça, além de existir a possibilidade de prorrogação de prazo, já que os estudantes estão em liberdade.

O delegado titular da delegacia especializada que conduz a investigação atenta para o cuidado nas conclusões. “É necessário analisar sempre o conjunto probatório. Há uma máxima na lei de ação penal que diz ‘in dubio pro reo’, ou seja, se pairar a dúvida, no caso se os jovens plantavam para traficar ou curtir, imagino que estará classificado como que plantaram para curtir. Isso aí é tudo subjetivo”, observa. “Precisa saber o que há de investigação anterior. No nosso caso, estamos analisando”, conclui.

por Luiz Beltramin

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. O mais bizarro dessa lei é que o traficante que fica solto por aí não planta. Será que sinceramente acham que 3 ou 4 pézinhos daria pra lucrar alguma coisa? No fim acaba só alimentando o verdadeiro traficante...

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  3. É um absurdo que as pessoas continuem sendo autuadas por isso. 7 pézinhos? 2 no vaso? É óbvio que em uma festa eles vão usar o que plantam, ninguém é burro de ficar fumando amônia quando tem uns pezinhos no quintal. É só ouvir os depoimentos dos vizinhos, buscar o "curriculum" do cara (argumento usado pelo advogado de defesa), não há nada que comprove tráfico. Os indícios que a policia apresentou, "triturador", "tábua", "fita Crepe". - Alô, eles não estudavam Arquitetura?
    E a frase “Não é normal cultivar a planta entorpecente simplesmente para consumir”? Que mente pequena e alienada!

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