domingo, 26 de setembro de 2010

Plantio de maconha em casa para o consumo próprio divide especialistas

da Globo.com

RIO - Plantar maconha em casa para não financiar bandidos tem sido um discurso cada vez mais comum entre usuários de classe média. Mas, na última terça-feira, a prisão de um engenheiro de 67 anos e de seu filho de 31, que cultivavam 108 pés da droga numa cobertura no Recreio , trouxe à tona uma polêmica: o que pode ser classificado como cultivo para uso próprio (como os dois alegaram) e o que pode ser caracterizado como tráfico (como a polícia vê o caso)? Vale a pena ter mudas em casa ou droga é droga? A discussão tem mobilizado usuários, especialistas no tratamento de dependentes, advogados e policiais.

Para a presidente do Conselho Municipal Antidrogas, Sílvia Pontes, não há dúvidas. Para ela, é um absurdo cultivar maconha em casa:

- Maconha é droga, é proibido. Em vez de plantar, este pai deveria ter dado princípios morais e éticos ao filho, conscientizá-lo sobre os malefícios.

Facilidade de acesso pode levar ao uso exagerado

Menos veemente, mas também contrário ao cultivo, o psiquiatra Jorge Jaber, sócio de uma clínica de recuperação de dependentes diz que um dos perigos de ter a Cannabis em casa é aumentar o consumo da droga pela facilidade de acesso.

- A pessoa pode começar a plantar para ter um cigarro por dia, mas quando perceber que tem maconha para quatro, vai fumar os quatro - diz Jaber, afirmando ser balela dizer que a plantação caseira desabastece o tráfico. - Tem quem plante verduras orgânicas, mas a feira e o sacolão continuam. Com a maconha é a mesma coisa, é pouca gente plantando em casa, não afeta em nada o tráfico.

O baterista Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, discorda. Para ele, é questão de honra não gastar dinheiro em bocas de fumo. Ele viu o pai ser morto por traficantes, em Vila Isabel, em 2004. Usuário de maconha, desde o crime ele cultivava a planta. Há dois meses, teve a casa, em Niterói, invadida pela polícia. Foi preso, acusado de tráfico, por ter 14 pés no quintal, e chegou a dividir cela com 70 pessoas. Seu advogado convenceu o promotor e o juiz que o músico era usuário, não traficante. Pela lei, quem adquire ou semeia maconha para consumo pessoal não é preso, mas pode ser obrigado a prestar serviços à comunidade ou a frequentar programas educativos.

O problema, segundo especialistas, é que os critérios para determinar se a droga se destina ao consumo pessoal são subjetivos. A lei estabelece que o juiz observará a quantidade, o local e as condições da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa flagrada.

- A lei precisa ser mais clara. Fui acusado de tráfico pela polícia tendo só 14 pés de uma planta que há na natureza - reclama Pedro.

Para Gerardo Santiago, advogado da Marcha da Maconha e que tenta libertar Francisco e Gustavo Grossi, o pai e filho presos no Recreio, o fato de a família ter 108 pés em casa não quer dizer nada:

- As plantas não estão no mesmo estágio. Tinha mudas, plantas macho, que não servem para nada. A polícia encontrou, pronta para consumo, apenas 75 gramas. Isso dá para 70 cigarros. Se cada um fumasse dois por dia, não duraria um mês.

Para o advogado, o que deve pautar a polícia na hora de decidir se a plantação é para tráfico ou uso próprio são provas materiais:

- Quem vende, tem a contabilidade, o papel para embalar, o que não era o caso deles. O engenheiro ganha R$ 12 mil por mês, não precisaria vender maconha. Se o usuário não é preso, o plantador para uso próprio também não deve ser - avalia Gerardo.

O inspetor de polícia Flávio Cardoso, que participou da prisão no Recreio, tem outra visão. Segundo ele, o pai e filho tinham, além de muitos vasos de maconha na varanda, uma estufa em um dos quartos, com diversos refletores e dois aparelhos de ar condicionado ligados.

- Eles gastavam R$ 2 mil só de luz, tinham cadernos com horários de rega, regras de cultivo. Era muito trabalho e despesa para uso próprio.

Para evitar critérios subjetivos na hora de enquadrar quem planta maconha, o advogado Nilo Batista, que ajudou na elaboração do pedido de liberação da Marcha da Maconha no Rio, defende que se regulamente a plantação.

- Se você tem um controle pela legalidade, permitindo que se plante até tantos pés, não haveria problema. Do modo atual, o que acontece é a distinção de classe. O pobre que planta é preso por tráfico, a pessoa de classe média geralmente é encarada como usuária - critica.

Rubem Cesar Fernandes, diretor do Viva Rio e membro da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, diz que a entidade tentou articular em fevereiro, com deputados de vários partidos, que fosse apresentado ao Congresso um novo projeto de lei sobre drogas, com critérios mais objetivos sobre consumo pessoal.

- Mas como é polêmico, por causa das eleições, os parlamentares preferiram discutir somente após novembro - diz Rubem, para quem é uma tendência mundial o plantio em casa. - Nos Estados Unidos, o plantio é permitido em 14 estados. Na Europa, tem país que deixa quatro pés, outros 10. A lei brasileira é irreal. Se tenho maconha e dou para um amigo, estou traficando. Mas o consumo de maconha é gregário, o normal é fumar com outra pessoa.

Presidente do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), a psicanalista Ivone Ponczek acha que a discussão principal não é sobre plantar em casa ou comprar nas ruas a maconha.

- Não interessa a origem, se ela vem daqui ou dali. O que importa é a relação que a pessoa tem com a droga. Se é uma compulsão ou se é algo de uso moderado. A utilização da maconha é de livre arbítrio, mas não se pode negar que a droga, de maneira abusiva, faz mal. Seja em casa ou não.

O que diz a lei

Em 2006, foi aprovada a Lei 11.343, que estabeleceu o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas. Quem vender ou fornecer drogas para terceiros é considerado traficante e pode ser condenado a dez anos de prisão. Mas quem estiver com drogas ou cultivá-las, desde que para uso pessoal, é classificado como usuário e tem outras penalidades: pode receber uma advertência ou ser condenado a prestar serviços comunitários ou a frequentar programas educativos.

Segundo o criminalista Renato Tonini, não é a quantidade que define se é tráfico ou consumo, mas as circunstâncias: se a pessoa tem 30 gramas de maconha em casa, pode ser usuária. Mas se ela a divide e desce com três sacolés para a rua, pode-se entender que ela venderia ou daria, passando a ser traficante.

4 comentários:

  1. Não entendo o dilema.

    "O que pode ser considerado para consumo próprio (como os dois alegaram) e o que pode ser caracterizado como tráfico (como a polícia vê o caso)?"

    É muito simples: eles são inocentes da alegação de tráfico até que se prove o contrário. Tem que provar que a venda das drogas ocorreu.

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  2. pois eh, mas maconheiro no brasil eh bandido ate que se prove o contrario.

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  3. Ter caixas de cerveja ou demais bebidas alcoólicas em casa é completamente normal, mesmo sabendo que o álcool é a droga q mais mata no mundo. O livre arbítrio não nos deveria assegurar de que podemos fazer aquilo que bem entendemos desde que não prejudiquemos outros? quais são os relatos de maconheiros matando por estarem "noiados" ou morrendo de overdose?? e com relação a mais popular droga liberada do mundo??

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  4. Não entendo esses médicos e psicanalistas, como a sra. Ivone Ponczek que alegam q o problema é os males da droga. Pq ela não luta para a proibição do alcool e do tabaco, que são drogas q comprovadamente matam? É discurso de falso moralista. E pq a imprensa só da ouvidos para eles? É triste mano. Precisamos investigar a inflencia das grandes empresas de tabaco e alcool, que claramente estão por tras das proibições, só nao ve qm nao quer.

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