sexta-feira, 5 de março de 2010

'O tráfico e as UPPs'

do O Globo

Não tenho posicionamento político nem ideológico partidário, mas não posso me calar quanto ao ocorrido no dia 2 de março na comunidade do Rio conhecida como Cidade de Deus. O governo estadual está implantando as denominadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), sendo louvável tal procedimento, mas o que a população deve saber é que o tráfico de entorpecentes nas comunidades cariocas não funciona como um bando de viciados aloprados que respondem violentamente a todos os atos que não os agradam. Pelo contrário, o tráfico funciona como uma empresa, e muito bem organizada.

Seu produto de venda é variado. Maconha, cocaína e crack são os produtos que impulsionam a venda, mas também se comercializa haxixe, êxtase, lança perfume, cheirinho da loló e outros que não me vêm à cabeça. Existe o alto escalão, onde estão o "dono" do comércio e os gerentes ou "frente". Se a "loja" for grande, podem existir os gerentes de seção: do pó e da maconha. Nesta loja existem os vendedores, que são denominados "vapor". Como todo comércio, a loja necessita de segurança e vigilância, pois fatores externos podem trazer prejuízo ao negócio. Neste sentido, a loja tem seus operadores de câmeras, que ficam observando todo movimento que ocorre, neste caso o "olheiro". A loja tem seu corpo de segurança privada para se defender de ataques furtivos, a "contenção".

Qualquer empresa visa o lucro, e quando a polícia se faz presente de forma permanente nos centros comerciais da cidade, os empresários locais, visando este lucro, dispensam a mão de obra que julgam excedente. No comércio ilegal das drogas não é diferente. Seus seguranças não são contratados para proteger a loja contra a polícia e sim da concorrência. Com o advento das UPPs, a polícia se fez presente de forma permanente nos centros comerciais das drogas. Portanto, as lojas do crime não precisam mais da mão de obra dos seus seguranças, pois os policiais se encarregam involuntariamente deste serviço. Neste novo contexto que aflora, ocorrem duas dúvidas importantes:

1) O tráfico de drogas nas localidades onde existem UPPs acabou? Não e nem vai acabar, como demonstrado acima. O que houve foi uma "dispensa" dos seus seguranças em virtude da presença da polícia. Com isso, o que não haverá mais são criminosos circulando na comunidade ostentando armas. Só a polícia as ostentará;

2) E para onde vão estes desempregados do tráfico? Na verdade a loja não os despediu, transferiu-os para outras filiais, onde continuam a exercer suas atividades de segurança, sendo que se houver mão de obra excedente será incrementada a modalidade do "bonde", que é ir para o "asfalto" e passar a cometer os mais diversos tipos de crimes, afinal os negócios estão sempre abertos ao crescimento, novidades e mais lucro.

O que ocorreu na Cidade de Deus é a prova pura e simples que a loja continua funcionando de forma eficiente. Para isso, basta observar o tempo que a loja levou para mobilizar seus funcionários depois da prisão de um dos seus membros. Quanto aos dispensados, na medida em que forem implantadas mais UPPs haverá um aumento gradual de "seguranças do tráfico" nas ruas prontos a praticarem mais assaltos. Cabe às autoridades de segurança verificar esta mudança comportamental e desenvolverem métodos dissuasivos.

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