segunda-feira, 29 de março de 2010

Pileque Precoce

Da Globo.com

A cultura consumista a todos oferece, em cálice dourado, o elixir da eterna juventude. Jovens não querem deixar de ser jovens; adultos e idosos insistem em imitar os jovens. O principal fator de afirmação é a glamourização do corpo.

O jovem atual, na falta de motivação religiosa, experiência espiritual e ideologia altruísta, tende a buscar na bebida e na droga a alteração de seu estado de consciência. Sem isso não se sente suficientemente relaxado, divertido, ousado. No Brasil, a ingestão de bebidas alcoólicas é legalmente proibida a menores de 18 anos.

A fiscalização pouco funciona e o Estado permite a publicidade de cerveja a qualquer hora em rádio e TV - concessões públicas - e o estímulo ao consumo precoce. Inclusive a utilização publicitária de pessoas famosas das áreas de entretenimento, artes e esportes, para suscitar em crianças e jovens reações miméticas de consumo de álcool.

Dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas informam que 42% das crianças brasileiras com idade entre 10 e 12 anos já consumiram bebida alcoólica, e 10% dos jovens de 12 a 17 anos podem ser classificados como dependentes de álcool.

Adolescentes acreditam que um copo de chope não implica risco para a saúde. Talvez. O problema é que, ao se enturmar num bar, ele bebe oito ou dez. Ou apela para o mais barato, no duplo sentido da palavra - custo e efeito: uma garrafa de cachaça ou vodca custa menos que uma rodada de chope e provoca rápido "um barato"...

O Ministério da Saúde já calculou quanto o alcoolismo custa aos cofres públicos? Quanto gasta o INSS com os afastados do trabalho por dependência do álcool? De que adiantam as campanhas de prevenção se atletas de renome fazem propaganda de bebida alcoólica?

A publicidade de bebida destilada - cachaça, uísque, vodca - obedece à restrição de horários, regulados pela lei 9.294/1996. Entre 6h e 21h é vetada a publicidade de destilados, embora muitas rádios burlem a proibição. A cerveja, que responde por 70% de todo álcool ingerido no Brasil, é livre de regulamentação. E é por ela que muitos jovens ingressam na dependência química.

Pela lei 9.294, bebida alcoólica é a que possui mais de 13 graus na escala Gay-Lussac. Todas as demais leis do Brasil - de trânsito, fabricação etc - consideram alcoólica toda bebida com mais de 0,5º GL. Verifique com lupa o rótulo de uma cerveja dita "sem álcool".

Com exceção de uma marca, as demais possuem 0,5º GL, ou seja, fazem, com respaldo da lei, propaganda enganosa. Assim, pais desavisados deixam crianças ingerirem a cerveja "sem álcool" e alcoólatras em tratamento são vítimas do mesmo engodo.

Vêm aí a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Se permanecer liberado o direito de associar desportistas com bebidas alcoólicas a Lei Seca, com certeza, vai fazer água...

O argumento de que regular a publicidade é censura ou fere a liberdade de expressão é mero terrorismo consumista centrado em sobrepor interesses privados ao interesse público, como é o caso da proteção da saúde da população, em especial de nossas crianças e adolescentes.

Texto de FREI BETTO

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