domingo, 7 de março de 2010

Mundo doidão

do JCNET

Imagine você poder cultivar a própria maconha no quintal de casa para uso próprio. O Congresso Nacional vai votar ainda neste ano um projeto com essa abertura permissiva. A defesa do autocultivo é simples: usuário de maconha, maior de idade, cidadão responsável que deseja usar a cannabis sativa, planta para si próprio e se compromete a não vender. Evita o contato com traficantes, deixa de subsidiar o crime organizado e garante a qualidade do produto que consome.

Tenho um quintal grande em casa, desses do tempo da nossa infância com pé de jabuticaba, pitanga, laranja e limão galego. Diante dessas facilidades, quem sabe um dia derrubo tudo e faço uma grande plantação da erva, bem adubada e sem uso de agrotóxico. Mostro aos amigos que consegui, finalmente realizar os meus sonhos telúricos. Até agora nunca fumei maconha ou precisei de artifícios para “viajar”. Compro a passagem em prestações, e pronto. Não vai ser agora, entrado nos anos que eu vou me dispor a fumar maconha, mesmo “sem tragar” como o Bill Clinton. Mas, pelo menos, vou poder exibir os meus traços de modernidade em tecnologia agrícola.

Na Inglaterra, a ONG Transform apresentou um relatório ao parlamento comprovando que o governo gastou, nos últimos dez anos, 110 bilhões de euros para manter o aparelho repressor contra as drogas. O custo é muito alto para a sociedade e seria melhor deixar os viciados à vontade, apenas controlados pelos agentes sanitários quanto aos excessos. Aqui na América Latina, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vem liderando o propósito de descriminalizar o uso de drogas proibidas. O livro “Depois da Guerra contra as Drogas”, lançado pelo parlamento britânico, deve chegar no Brasil ainda este mês e contém uma fórmula detalhada de como seria a regulação do mercado das drogas hoje ilícitas. Como diriam os teóricos das ciências sociais, “os paradigmas estão em crise”. Surgem novos conceitos e quem não está preparado para essas mudanças, como eu, percebem o mundo como alguém que realmente acaba de puxar o seu baseado: de cabeça para baixo. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) vai propor ao Congresso que o uso de drogas, quando muito, seja tratado como uma contravenção administrativa e não mais um crime. Como a multa de trânsito, por exemplo.

Doidão que não provar que produziu a própria maconha no vaso lá do apartamento será multado. Também é proibido fazer estripulias no trânsito sob efeitos de agentes naturais ou químicos. A Espanha, um país “caliente”, está mais adiantado nesta questão. Lá, o plantio de maconha pode acontecer individualmente ou em grupos, cooperativas e até consórcios. O usuário paga por mês o equivalente a um quilo, dois quilos, três... E, se for sorteado ou der um lance, já fica estocado por um bom tempo. Para evitar problemas com a polícia, o drogadito tem que providenciar uma carteirinha expedida pelas autoridades onde constam idade, número da licença de comprador em farmácias, lugar do depósito do estoque próprio, tamanho do armazenamento e a autorização dos pais, se for menor. Para estes, o limite para puxar um fuminho inocente se circunscreve a pubs e baladas. As drogas de maior risco exigem prescrição médica supervisionada e locais especiais para consumo de opiáceos injetáveis. O usuário muito problemático que “aprontar” reiteradamente pode ter a sua carteirinha cassada. Todas essas “novidades” são muito antigas na Holanda e na Suíça. Há 20 anos, vi uma praça de Amsterdã reservada aos drogados. Entrepostos do estado liberavam cotas gratuitas de entorpecentes para os cadastrados. Os viciados empedernidos tinham acesso a anfetaminas, cocaína em pó e ecstasy. Seringas descartáveis completavam o pacote. A vantagem do governo é que os viciados morrem logo, sem pesar muito ao erário. A polícia economiza no aparelho repressor. A figura do traficante desaparece com o mercado avacalhado pela falta de demanda paga. O Brasil tem mais de meio século de combate fracassado ao tráfico. A polícia sobe morro e desce morro. Mortos, torturados, prisões lotadas, crime organizado, ônibus incendiados com os passageiros dentro por vingança de traficantes presos. Há momentos em que eu penso: “Está mesmo na hora de fazer alguma coisa diferente”.

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