segunda-feira, 8 de outubro de 2012

"Acredito na legalização e na descriminalização das drogas", diz Oliver Stone

Fonte: IG

Cineasta é o diretor de "Selvagens", atualmente em cartaz nos cinemas; leia entrevista

Oliver Stone andou bem interessado em política em seus últimos filmes, “W.”, sobre George W. Bush, e o documentário “Ao Sul da Fronteira”, sobre Hugo Chávez. Depois, uma continuação de “Wall Street” não ajudou muito sua carreira. Com todos os defeitos, “Selvagens” , pelo menos, mostra um diretor cheio de energia, aos 65 anos.

Na história, Ben (Aaron Johnson) e Chon (Taylor Kitsch) são melhores amigos e tocam um negócio legal de produção de maconha na Califórnia – além de dividirem a mesma mulher, O (Blake Lively). Quando um cartel mexicano comandado por Elena (Salma Hayek) e personificado pelo violento Lado (Benicio del Toro) e o advogado Alex (Demián Bichir) propõe um negócio irrecusável, os três começam a ter problemas.

iG: Foi difícil dizer sim a este projeto, baseado no livro de Don Winslow?
Oliver Stone: Não, fiquei muito feliz, era diferente, original. Um olhar novo sobre a cena californiana, onde é legal plantar maconha, as clínicas, era algo novo. E a ideia do cartel vir fazer uma parceria com eles parecia diferente e única. E também o conceito de um veterano voltando do Afeganistão e do Iraque e usando os métodos daquelas guerras para fazer guerra contra o cartel era muito original. Fora isso, os personagens eram muito bons no livro, claro que tivemos de torná-los mais concisos para o filme, concentrando-nos em sete pessoas. Eles todos são facilmente identificáveis, não são clichês, não são estereótipos.

iG: Você costuma fazer filmes violentos...
Oliver Stone: Não, mas OK.

iG: Você faria um filme sobre outro tema?
Oliver Stone: Eu odeio ver que você limitou meus filmes a filmes violentos.

(um outro jornalista intervém): Na verdade, ela está perguntando sobre outras histórias sobre o México que não sobre a violência.

Oliver Stone: Eu comprei os direitos de um livro escrito por um homem que passou muito tempo no México e obviamente a guerra das drogas foi parte de sua vida. Ele escreveu uma fantasia, esta é uma ficção, sobre uma situação que poderia acontecer. No livro, ele entra em detalhes sobre como começou a guerra das drogas. E você precisa ver a guerra das drogas como uma parte de um problema muito maior que é a economia do México.
E a economia mexicana tem sofrido, ela não cresceu como o resto da América Latina, desde 1980. São 30 anos de economia ruim. Então tem de ver com economia, política. Mas esse não é o filme que eu fiz. Eu dirigi um pequeno documentário chamado "South of the Border" que lidou com alguns desses temas. Mas aqui é uma ficção. Me considero um diretor de dramas. Interesso-me por pessoas, gosto de closes, de rostos, histórias, pessoas que são interessantes para mim, que fazem esse jogo de gato e rato com o poder e o dinheiro. É isso. Não estamos tentando resolver os problemas mundiais aqui.

iG: Quando assisti ao filme, achei que era menos político do que se espera de um filme de Oliver Stone.
Oliver Stone: Expectativas... Deixe-me dizer: a vida é política, econômica, social, moral. A vida é orgânica, é um todo. Parte dela é política. Tudo. Uma comédia é política. Este filme é político também. A guerra às drogas é maluca, mas não dizemos. Você viu "Assassinos por Natureza", "The Doors", "Um Domingo Qualquer", "Reviravolta"? Todos são políticos! "Um Domingo Qualquer" é sobre as grandes corporações dominando os esportes. Está sempre implícito.
Aqui neste filme, há uma guerra implícita: um lado está produzindo maconha legalmente, mas vivendo ilegalmente também, você não pode dizer que eles são puros, mas estão vivendo num paraíso, e encontram o jeito antigo do negócio, que é à maneira gângster. A violência torna-se violência. O que é original no livro é que o personagem interpretado por Taylor Kitsch volta do Iraque e do Afeganistão. Há uma grande declaração aí, isso é político. Ele volta e organiza um grupo de veteranos para lutar contra o cartel, com armas sofisticadas, incluindo computadores. Isso é político. A Guerra do Iraque, de certa forma, vem para casa para ajudar os protagonistas a trazer de volta a namorada. Essas são palavras.
Nunca saio para fazer um filme político, a não ser os documentários. Mas todos os filmes, incluindo "JFK", têm de ser divertidos, com bom ritmo... "Nixon": quem faria um filme sobre Richard Nixon? Ele é tão odiável. Se você faz um filme sobre ele, tem de ser empolgante. Acho que fiz um filme empolgante sobre Nixon, mas não o vejo como meu filme político. Não gostava de George W. Bush, mas fiz um filme para ser divertido. Sou um diretor de dramas. Isso vai estar escrito no meu túmulo. Ou poeta. Ou artista.

iG: O livro lida com esse conceito de que os cartéis mexicanos estão reconquistando o território tomado deles pelos americanos. É assim que o povo dos EUA vê o assunto?
Oliver Stone: Essa é uma simplificação de um assunto muito mais complexo. Os Estados Unidos estão envolvidos na guerra às drogas também. Temos um envolvimento grande, não apenas como consumidores, mas como guardas de prisão, agentes da divisão de narcóticos, todos os tipos de agentes perseguindo os chamados “caras maus”. Acho que o filme não é simplista. Mesmo os membros do cartel que você vê, seja o personagem de Demián (Bichir), ou Benicio (Del Toro), todos têm um outro lado. Não são um clichê, pelo menos é o que espero. Salma tem uma filha, pela qual tem muito amor, e isso é mostrado no filme. Benicio não gosta de ser chamado de burro e tem um lado vulnerável. E Demián é nobre e tem um lado humano.

iG: Você disse que pensa que as guerras no Iraque e no Afeganistão e os casos de tortura denunciados deram uma espécie de permissão para que mais violência fosse cometida no mundo, inclusive pelos cartéis mexicanos. E também afirmou que os Estados Unidos estão envolvidos na guerra às drogas. Então acha que os Estados Unidos são também responsáveis pelo que acontece no México?
Oliver Stone: Você não pode jogar toda a culpa nos Estados Unidos, mas certamente contribuímos para a violência que existe no mundo e para o desrespeito às leis. A guerra às drogas nunca foi feita para funcionar. Existe há 41 anos e não funcionou. Há mais drogas do que nunca, de qualidade melhor e mais baratas, o que é bizarro. Mas é uma guerra por dinheiro. Ambos os lados, tanto o americano quanto o mexicano, beneficiaram-se em certas estruturas dessa guerra. Acho que a economia mexicana sofreria ainda mais se houvesse um colapso no mercado das drogas, muitas pessoas ficariam desempregadas. Acho que as pessoas que governam o México estão bem conscientes disso, e acima de tudo os políticos preocupam-se com a economia, pois querem que as pessoas votem neles para continuar no poder. A guerra não resolve o problema, mas o afasta. Ao mesmo tempo, o mundo parece continuar andando sem obedecer às regras, incluindo os Estados Unidos. Há um desrespeito pelos governos que cresce a cada dia. As guerras no Afeganistão, no Iraque, no Vietnã apenas contribuíram para o senso da falta de legitimidade dos Estados Unidos no mundo.

iG: Acha que isso continua com Obama?
Oliver Stone: Claro que continua com o Obama. Obama disse grandes coisas, mas fez poucas. Ao menos ele fez o esforço de sair do Afeganistão, vamos ver o que acontece. Mas está tudo escondido embaixo de palavras bobas. Ele queria ficar no Iraque, mas o governo iraquiano não aceitou que os americanos saíssem impunes de ações criminosas. E o governo iraquiano estava certo, os Estados Unidos não podem ter imunidade por suas ações lá e os soldados não podem matar pessoas a sangue frio e não serem julgados. É como a Segunda Guerra, com os alemães. Pelo menos até a próxima eleição, tenho pouca esperança com os Estados Unidos. Até agora Obama não mostrou ter a coragem de confrontar seus opositores, ele parece querer fazer acordo com todos. E em algum momento, se você quer mudar as coisas, precisa ter um pouco de Franklin Roosevelt dentro de você, ou se for no México, Cárdenas. Você precisa se levantar e lutar pelo que acredita.

iG: Dois dos mais populares filmes brasileiros dos últimos anos falam sobre combate às drogas: "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite". Você os viu?
Oliver Stone: Eu gostei de "Cidade de Deus". Acho poderoso. Não acho que seja tanto sobre drogas, acho que é mais sobre pobreza. E a guerra das drogas é uma guerra da pobreza. A economia mexicana entraria em colapso se não fosse a quantidade de dinheiro enorme vinda das drogas. Tem mais a ver com as nossas lideranças que nos levam nessa direção, fazendo com que as drogas valham muito mais do que deveriam.
Eu acredito na legalização e na descriminalização das drogas. Muitas pessoas podem usar drogas e ficar bem, mas acredito que o Estado deve cuidar daqueles que precisam. Pode ser regulado, taxado, seria muito mais saudável para o mundo inteiro se não houvesse essa guerra às drogas idiota, tão idiota quanto as guerras do Afeganistão e do Iraque. Já "Tropa de Elite" é um outro tipo de filme, não vi tão bem, não quero comentar.

iG: Quando você diz legalização, seria para todos os tipos de drogas?
Oliver Stone: Sim. Acho cocaína uma droga negativa. Eu já admiti que usei por três anos, antes de escrever "Scarface", não acho que me ajudou. Mas não acho que deva ser ilegal. Porque vai estar nas ruas de qualquer maneira, esse é meu ponto. Se você a deixa ilegal, fica mais caro e mais pessoas são mortas. Mas quem quer consegue, sempre há um jeito de conseguir. Eles vão usar enquanto estiver por aí, porque a natureza oferece essas coisas. A mesma coisa com a heroína. É preciso ser adulto ao lidar com esses assuntos. Os garotos vão usar de qualquer maneira. A guerra às drogas tornou as drogas melhores, mais baratas, não funciona.

iG: "Tropa de Elite" defende que os consumidores são responsáveis pela guerra entre traficantes.
Oliver Stone: Bem, os consumidores querem a droga. Eles vão comprar onde for possível. Se for numa farmácia, eles vão comprar. Com o tabaco, as pessoas pagam um imposto alto, mas compram. A mesma coisa com álcool. A proibição, a Lei Seca, só fez com que nascesse o crime organizado, com os mafiosos irlandeses, italianos e americanos. Mas, quando o álcool foi legalizado, eles mudaram para outras atividades. Os cartéis mexicanos têm tanto dinheiro, por exemplo, que eles começaram a adquirir negócios legais. Então eles têm uma grande parcela do México legal também, shopping centers por exemplo. Eles têm de colocar o dinheiro em algum lugar.
O que aconteceu é que a economia global ficou mais dependente da guerra às drogas. Ouvi rumores de que muitos banqueiros de Wall Street estão preocupados porque, se as drogas forem legalizadas, vai haver um colapso. E não se esqueça dos prisioneiros. Nos Estados Unidos são investidos US$ 50 bilhões na seção de narcóticos, seja com agentes, agentes de fronteira, prisões. É um ralo da nossa sociedade. Porque 50% dos prisioneiros estão lá por causa de drogas. Não são perigosos. Mas vão se tornar perigosos quando saírem de lá. O Brasil está tomando algumas medidas, como descriminalizar a posse de pouca quantidade de drogas. É um passo na direção correta.

iG: O que pode falar sobre sua experiência pessoal com as drogas?
Oliver Stone: Minha experiência pessoal com as drogas não é um assunto aqui. Fiz um filme. Eu realmente tenho alguma experiência. Eu disse o que disse antes. A natureza desse filme foi ditada pelo livro, não por minhas experiências pessoais. Seria como dizer que a tortura no filme é baseada na minha experiência em torturar pessoas (risos).

iG: Você está com 65 anos, mas seus filmes são cheios de energia jovial. De onde vem isso? Ainda assiste a muitos filmes novos?
Oliver Stone: Assisto a muitos filmes. Adoro ler. Adoro história, estou trabalhando nessa série documental chamada "The Untold History of the United States" pelos últimos quatro anos. Você não pode fingir energia. Acho que tenho curiosidade intelectual. Vi esse livro e foi uma faísca. Não quero me repetir. Quero continuar sendo eu mesmo, mas a história tem de ser original. Cada filme tem de ser único, tem de ter dinâmica e tensão, se você perder essa habilidade de manter a dinâmica e a tensão, só está passando uma mensagem. Não tenho interesse nisso. Então espero continuar. É incrível ter energia. Nietzsche disse: “A energia é um monstro sagrado” – ela pode te machucar.

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