Fonte: O Globo
Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo
Qual a melhor maneira de enfrentar o problema das drogas? Criminalizando o usuário ou tratando os dependentes como pacientes do sistema de saúde? Mantendo a ferro e fogo uma visão proibicionista ou experimentando com diferentes formas de regulação e prevenção?
Nos últimos quatro meses, a discussão avançou mais do que em 40 anos. O que parecia impensável está sendo discutido à luz do dia. Isto aconteceu por imposição da realidade e pela coragem dos presidentes Juan Manuel Santos, da Colômbia, Otto Perez Molina, da Guatemala, e Laura Chinchilla, da Costa Rica.
Os fatos falam por si. Décadas de esforços imensos, liderados pelos Estados Unidos, não levaram nem à erradicação da produção nem à redução do consumo. Enquanto houver demanda por narcóticos haverá oferta. Os únicos que ganham com a proibição são os traficantes.
No México e na América Central, a violência e corrupção associadas ao tráfico são uma ameaça direta à estabilidade democrática. Frente a este risco, criamos faz quatro anos a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Diante da ineficácia e dos efeitos desastrosos da guerra às drogas, abrimos o debate sobre estratégias alternativas.
Formulamos duas recomendações. Em primeiro lugar, descriminalizar o consumo de todas as drogas, visto que não faz sentido pôr na cadeia pessoas que usam drogas, mas não causam dano a terceiros. Podem causar danos a si mesmos e a suas famílias, mas persegui-los não os ajuda a se livrarem das drogas.
Droga é um problema de saúde pública. Tratar os dependentes como criminosos só dificulta o acesso ao tratamento. O primeiro objetivo de uma política antidrogas deve ser proteger os jovens, prevenindo o consumo que leva à dependência. Isto se faz mediante educação, tratamento e reintegração social.
O poder repressivo do Estado e a pressão da sociedade devem se concentrar na luta contra os narcotraficantes, sobretudo os mais violentos e corruptores, não em perseguir jovens ou doentes.
Nossa segunda recomendação, mais complexa porém não menos importante para a paz cidadã, é abrir o debate sobre modelos de regulação de drogas, como a maconha, de maneira similar ao que já se faz com o tabaco e o álcool.
Estudos científicos demonstram que a maconha é menos danosa à saúde que o tabaco. Regular não é a mesma coisa que legalizar. Regular significa criar as condições para impor restrições e limites ao comércio e consumo do produto, sem colocá-lo na ilegalidade. A redução espetacular do consumo do tabaco comprova que a prevenção e a regulação são mais eficientes que a proibição para mudar hábitos e mentalidades.
A regulação corta o vínculo entre traficantes e consumidores. Como a maconha é a droga mais consumida no mundo, sua regulação reduziria grande parte dos enormes recursos obtidos pelo crime organizado nos mercados ilegais, fonte de seu poder e influência.
Felicitamos aos presidentes da Colômbia, da Guatemala e da Costa Rica por colocarem sobre a mesa diferentes opções mais eficazes para proteger a saúde das pessoas e a segurança da sociedade. Por sua iniciativa, o tema da droga foi incluído na pauta da Cúpula das Américas que se reúne em Cartagena, Colômbia, nas proxima sexta-feira (14) e sábado (15 ).
Deste encontro de chefes de Estado não se deve esperar soluções mágicas ou acordos imediatos sobre o que fazer. Neste momento o que importa é um debate sério e rigoroso que permita a cada país encontrar as soluções mais adequadas à sua realidade.
A experiência da América Latina no combate ao narcotráfico e da Europa em saúde pública e redução do dano causado pelas drogas, a mobilização de setores empresariais e da comunidade científica, o anseio de paz dos jovens, tudo converge na direção de políticas mais humanas e eficientes.
Uma mudança de paradigma, capaz de combinar repressão ao tráfico com prioridade ao tratamento, reabilitação e prevenção, é a melhor contribuição da América Latina, continente que já sofreu tanto com este problema, para uma revisão global da política sobre drogas.
A hora da mudança é agora.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO foi presidente da República (1995-2002).
CÉSAR GAVIRIA presidiu a Colombia (1990-1994).
ERNESTO ZEDILLO foi presidente do México (1994-2000).
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