Fonte: G1
Lei prevê internação contra a vontade de usuário de drogas desde 2001.Criminalistas consideram inconstitucional; médico crê em defesa da vida.
A internação involuntária (contra a vontade) de usuários de crack, apesar de prevista por lei federal desde 2001, ainda gera contradições entre juristas e médicos.
Alguns criminalistas ouvidos pelo G1 a consideram internação forçada inconstitucional, por acreditar que, antes, deve ser realizado um processo legal para determinar se a pessoa é ou não capaz de tomar as decisões por conta própria. Já psiquiatras defendem que a internação é prevista em lei e que a decisão médica impede que o viciado em drogas continue colocando em risco a própria vida.
Nesta quarta-feira (7), o governo federal lançou um programa que prevê investimentos de R$ 4 bilhões no combate ao uso de crack e a internação involuntária de usuários. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, serão criados 308 “Consultórios de Rua”, com médicos, psicólogos e enfermeiros, que farão busca ativa de dependentes e avaliarão se a internação pode ser voluntária (com o aval do usuário) ou involuntária (contra a vontade do paciente).
Para o professor de direito e criminalista Leonardo Pantaleão, “não há como o estado coibir o direito das pessoas de ir e vir”. “Sou contra qualquer tipo de medida restritiva de liberdade, exceto quando se comete um crime. Uma internação contra a vontade fere os princípios da dignidade da pessoa humana. A privação da liberdade contra a vontade é só para quando há uma condenação judicial ou decisão judicial para adolescentes que cometem ato infracional”, explica ele.
Concorda com ele o jurista Walter Fanganiello, que defende que casos de internação contra a vontade sejam realizados apenas após um processo legal de interdição.
“A autolesão não é punível pelo direito brasileiro. Tanto a interdição involuntária (quando o médico ou a família pedem a internação) ou a compulsória (com determinação judicial) podem ser consideradas inconstitucionais se não houver um processo que prove que a pessoa não tem condições de discernimento, em que se determine sua interdição e seja determinado um curador. Se a pessoa, por vontade própria, quiser só fazer uso de drogas, não podemos impedir”, diz o jurista.
“Qualquer que seja a patologia, sem que haja o reconhecimento judicial da incapacidade de pessoa de decidir, esbarra em aspectos legais”, defende.
Lei prevê internação involuntária
Segundo o sociólogo e estudioso na área criminal relacionada ao uso de drogas Luis Flávio Sapori, a lei federal 10.216, de abril de 2001, é usada para a internação de usuários de drogas. A lei trata da “proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. Conforme o texto, a internação voluntária é “aquela que se dá com o consentimento do usuário”, enquanto que a internação involuntária “é aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro”, podendo ser o médico ou algum familiar.
Já a internação compulsória é “aquela determinada pela Justiça”, sem o consentimento do dependente químico e mesmo que não haja familiares que tenham ciência do fato.
“O investimento do governo no tratamento ambulatorial de usuários de crack é uma medida acertada. A legislação brasileira prevê que ela pode ser realizada contra a vontade do dependente e de forma involuntária desde 2001, pela lei que trata de portadores de transtornos mentais, desde que haja aquiescência de familiares ou determinação judicial”, defende Sapori.
Ele defende o uso de psicólogos e agentes que atuem para convencer os usuários de drogas a se internarem.
Decisão médica
Atuante na área de dependência química na Associação Brasileira de Psiquiatria, o médico José Geraldo Taborda diz que “há muita propaganda feita em cima do que já é admitido pela lei e realizado pelos médicos há anos, que é internação involuntária”. “O médico atesta que a pessoa não tem condições clínicas de continuar na rua, colocando em risco a própria vida e pode determinar sua internação. Temos a obrigação de avisar o Ministério Público em até 72 horas, que depois pode ou não manter a internação”, diz o psiquiatra.
“A decisão médica ocorre quando se percebe a pessoa pode ser expor a um prejuízo moral, social ou financeiro grave ou expor outras pessoas ao mesmo risco. Eu, como médico, posso tomar medidas de saúde de emergência para impedir esta situação de risco. É um passo inicial, num momento de emergência. Mas em seguida a Justiça é comunicada”, afirma Taborda.
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