quinta-feira, 6 de outubro de 2011

“Não é porque usa droga que alguém vai cometer crimes”

Fonte: Gazeta do Povo

O delegado Rafael Vianna está longe de ser um pessimista. Mas, em seu recém-lançado livro Diálogos Sobre Segurança Pública, ele manda um recado quase subliminar: se a sociedade não repensar seu papel, o Estado civilizado chegará ao fim. A preocupação vai desde o papel da polícia até as políticas de segurança baseadas no combate às drogas.

Vianna adota uma posição lúcida – e de certa forma ousada – ao afirmar textualmente que os entorpecentes não causam a criminalidade e que o Estado erra na luta contra o tráfico: “A maioria dos traficantes presos são usuários que vendiam droga para comprar droga”, diz.

Para ele, a polícia não consegue resolver tudo: quanto mais serviço ela tiver, mais ineficaz será. No livro, o delegado traz ainda orientações simples de prevenção ao crime aos cidadãos.

O seu livro traz várias dicas de segurança em artigos com uma linguagem acessível. A segurança é algo simples?

Atitudes simples e práticas podem contribuir de alguma forma para a segurança pública. Mudanças no comportamento das pessoas também. Mas segurança pública, como um todo, é algo muito mais complexo. Essa é a grande dificuldade: existem diversas ações e propostas, mas muitas vezes não conseguimos visualizar o todo. Então, acaba que a segurança pública fica como uma colcha de retalhos.

Você subdivide a segurança pública em três áreas...

A primeira grande área são as questões existenciais, os valores da sociedade. É responder a perguntas como “qual o sentido da vida?”. Se um jovem não enxergar sentido na vida, a segurança pública não vai ter solução. A segunda é a de prevenção situacional do crime. Entram aí tanto a atuação policial, quanto o endurecimento dos alvos. Ou seja, a vítima contribuindo para diminuir as vulnerabilidades. A terceira área é a investigação que precisa ser feita de forma rápida e efetiva. Se atuarmos só em uma dessas áreas, não adianta. Essas três áreas precisam caminhar juntas.

Sempre que se fala em segurança vem à tona a questão das drogas. O senhor acha que o peso das drogas está superdimensionado ou, de fato, elas são o grande mal do século 21?

Estudos criminológicos e pesquisas revelam que a droga não é necessariamente a causa do crime. Não é uma relação de causa e efeito, é uma relação processual. Não é porque a pessoa consome drogas que ela pratica crimes. Também está descartado que os efeitos farmacológicos causados no cérebro levem algum indivíduo a cometer um crime.

Que efeito têm as políticas de segurança voltadas exclusivamente ao combate às drogas?

É preciso perguntar por que as pessoas usam drogas. Se a vida e a convivência social não tiverem sentido para uma pessoa não vai ter nada de anormal para ela usar droga. Outro fator é de que maneira combater as drogas. Será que, com a polícia combatendo com preponderância o tráfico de drogas, estamos atingindo os resultados que esperamos? A maioria dos traficantes presos são usuários que vendem drogas para consumir a própria droga. Então será que uma política de saúde pública não seria mais efetiva para uma sociedade do que a simples e pura ilusão da erradicação?

Qual o papel da família no combate ao crime e às drogas?

Enquanto o jovem não ver sentido na vida, utilizar drogas ou cometer um crime, não vai ter problema algum para ele. Se estivermos num barco à deriva, qual o problema de consumirmos drogas ou praticarmos um crime? A família deve discutir isso com os jovens. Enquanto não for discutido isso, não adianta agirmos só com polícia, porque não vai ter solução. Sempre vão chegar novos jovens nessas situações, que serão potenciais criminosos. A polícia nunca vai resolver o problema da segurança pública se não houver participação das famílias.

Uma parcela significativa da sociedade defende o recrudescimento das leis e da atuação da polícia. Como vê essa questão?

Quanto maior for a atribuição da polícia, ou seja, quanto mais tipos de crimes tiver de investigar e combater, acho que mais ineficaz a polícia será. Uma polícia que combate tudo, que tem que prevenir tudo, acaba que não combate nada, que não previne nada e os crimes ficam impunes. E a impunidade também gera criminalidade. Mas não podemos ficar no discurso vazio de que as penas deveriam ser mais graves, porque a gravidade de uma pena não significa nada no fator efetividade. É mais importante a pessoa ter a certeza de que vai encontrar a pena se cometer um crime, do que a gravidade. Se todos que cometerem um tipo de crime encontrarem punição, aí sim, o sistema cumpre sua função.

Por que o subtítulo do livro é O fim do Estado civilizado?

Porque se a sociedade não repensar qual o sentido que ela espera como sociedade, que sentido ela quer dar para sua existência, o Estado vai chegar ao fim e, infelizmente, vamos entrar no caos.

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