Fonte: Rede Brasil Atual
Casos de ferimentos provocados por armamentos menos letais, como balas de borracha e bombas de efeito moral, aumentam discussão sobre necessidade de regulamentar a questão
São Paulo – A Marcha da Liberdade, a ser realizada no sábado da próxima semana (18) em várias capitais do Brasil, vai levantar a bandeira da proibição do uso de armamentos por policiais nas manifestações sociais. A reivindicação central do movimento é uma resposta à repressão de sucessivos protestos com o uso de balas de borracha, bombas de "efeito moral" e spray de gás de pimenta, com um saldo alto de ferimentos, às vezes com mutilações.
"Não existe razão, para num Estado democrático de direito, se reprimir uma manifestação", lamenta Juliana Machado Brito, do coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR), durante um debate na quinta-feira (9), que reuniu alguns movimentos sociais. "Se houver uma regulamentação, talvez o Estado comece a pensar melhor antes de jogar as forças repressivas contra a população."
O Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo começou a levantar o debate sobre a regulamentação do uso de armas não letais no começo deste ano, quando manifestações organizadas pelo Movimento do Passe Livre (MPL) foram duramente reprimidas na capital paulista. Os equipamentos também são chamados de "menos letais", já que chegam a provocar mortes em casos de uso indevido.
A intenção do Tortura Nunca Mais paulista é saber o que tem uso autorizado e em quais quantidades são compradas. Há ainda questionamentos a respeito do treinamento de policiais para utilizá-las e em que ocasiões podem empregar esse tipo de armamento.
Convenções internacionais e regras do Ministério da Justiça balizam que atitudes devem ser tomadas para evitar abusos por parte de policiais e quais são os parâmetros para cada atitude, mas não há um regulamento específico em torno das armas não letais. Sem isso, qualquer cidadão que se sinta atingido fica de mãos atadas na hora de exigir o cumprimento da lei. A única alternativa, atualmente, é recorrer ao Judiciário solicitando indenização por danos morais, o que pode se arrastar por uma década.
Nos últimos meses, diversos atos foram "recebidos" pelos agentes de segurança pública com armas menos letais, o que não significa necessariamente que a Polícia Militar de São Paulo tenha se tornado mais violenta do que o era antes. Há uma percepção geral de que cresceu o volume de manifestações e o número de participantes. “A repressão é para criar o medo”, afirma Marcelo Zelic, vice-presidente do Tortura Nunca Mais.
Ele acrescenta que essa discussão leva à reflexão sobre o modelo policial que se tem no Brasil. Zelic entende que algumas corporações ainda não fizeram a transição para a democracia, continuando a ver o movimento social como inimigo interno, uma visão que remete ao regime militar.
Espaço público
“É essa a democracia que a gente quer? Quando você vai participar, a participação é enquadrada, não pode ser construída minha participação da maneira que minha consciência manda”, constata Pedro Brandão, do MPL. O movimento que luta por um transporte gratuito de qualidade conhece bem a força policial. Em parte das mais de dez manifestações em São Paulo em 2011, além de outros episódios em anos anteriores, houve repressão em várias das cidades nas quais o movimento atua, do Nordeste ao Sul.
A avaliação dos ativistas é de que é preciso discutir a conduta e a formação dos agentes de segurança pública. Com isso, surge também a necessidade de avaliar de que maneira trabalham a Ouvidoria e a Corregedoria da Polícia Militar, consideradas nada independentes e com pouca influência dentro das corporações.
As entidades que militam por diferentes causas avaliam que a rua precisa ser reconquistada como um espaço público e democrático. Daí a necessidade de promover uma nova edição da Marcha da Liberdade, desta vez em vários pontos do país. O ato foi realizado pela primeira vez em maio, após o Tribunal de Justiça de São Paulo conceder liminar proibindo a realização da Marcha da Maconha. Na ocasião, os manifestantes foram duramente reprimidos.
“Nossa liberdade tem de estar garantida pelo direito de ir à rua sem apanhar”, resume André Takahashi, da Organização Popular Aimberé. “O que fizemos na Marcha da Liberdade foi um exemplo de desobediência civil”, constata, lembrando que a Constituição assegura o direito de manifestação, seja qual for a causa.
O momento crescente de participação popular é visto com otimismo para levantar o debate sobre a regulamentação do uso de armas contra manifestações. “O que a gente busca é um recuo do Estado penal. Isso só vai se dar com um avanço da população na rua”, argumenta Fernando da Silva, do DAR.
Além da manifestação do dia 18 deste mês, está marcada para o dia 30 uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo para debater a elaboração de um projeto de lei que imponha limites ao uso de armas não letais. Convocada por requerimento apresentado ao deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, a discussão tem o apoio da Associação Juízes para a Democracia e contará com a participação de vítimas do uso inadequado desse tipo de equipamento.
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