sexta-feira, 28 de maio de 2010

Combate ao crack recebe verba de R$ 410 milhões

do Repórter Diário

Em 10 anos, o número de usuários de crack tem crescido vertiginosamente. Embora não haja um 'censo' oficial, pesquisadores alertam que a droga, que antes figurava apenas nas ruas de periferia de São Paulo, espalhou-se por todas as cidades do Brasil com uma velocidade impressionante.

Para combater esse problema de saúde pública, o governo federal anunciou, na última semana, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack, que prevê, ainda em 2010, dobrar o número de vagas para internação de usuários (de 2,5 mil para 5 mil) e R$ 410 milhões em investimentos para ações de saúde, assistência e repressão ao tráfico.

O decreto assinado pelo presidente Lula durante a 13ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios tem por objetivo coordenar as ações federais de prevenção, tratamento, reinserção social do usuário do crack e outras drogas, além de enfrentamento ao tráfico, em parceria com estados, municípios e sociedade civil.

O Plano organiza-se em torno de quatro eixos: integração de ações de prevenção, tratamento e reinserção social; diagnóstico da situação sobre o consumo do crack e suas consequências; campanha permanente de mobilização, informação e orientação; e formação de recursos humanos e desenvolvimento de metodologias.

De acordo com a pesquisadora do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Solange Nappo, o Plano Integrado é visto com esperança. "Nunca presenciamos uma ação tão ampla na busca por solucionar um problema grave como o uso e o tráfico de crack no Brasil", diz. No entanto, a especialista alerta que nada será resolvido imediatamente. "O Plano é muito bom, mas é uma ação de longo prazo", destaca.

Mudanças de perfil

Antes utilizada por jovens pobres, o crack passou a frequentar todas as classes sociais e rompeu barreiras geográficas, espalhando-se por todo o Brasil. Segundo Solange, a droga é 'desafiadora' para toda a classe médica. "É uma droga com via administrativa muito poderosa: a aérea. Quando se fuma, a quantidade de droga que chega ao pulmão e é levada ao sistema nervoso cerebral é muito grande, causando um efeito rápido e intenso", explica.

Diferente de outras drogas injetadas e inaladas em pó, como a cocaína, o efeito do crack passa em apenas cinco minutos depois de ingerido. Por conta disso, o usuário entra em 'fissura' - termo que designa o estado de paranóia e a necessidade extrema de utilizar novamente a substância - em muito pouco tempo. "Em menos de um mês, o usuário já é totalmente dependente do crack. Neste ponto há o comprometimento do comportamento e do caráter, passando a praticar todo o tipo de atos ilícitos", descreve Solange.

A pesquisadora enfatiza que os usuários enfrentam muitas dificuldades na hora de deixarem o vício. "São raros os casos dos que conseguem largar o crack e a maioria acaba voltando a usar a droga, mesmo depois de anos sem fumar uma pedra", relata. Solange é contra a internação dos dependentes, somente abrindo exceções para casos extremos. "O problema da internação é que se cria um mundo irreal e quando ele sai do hospital a realidade volta com toda força. O dependente não desenvolveu mecanismos internos para lidar com os problemas do cotidiano e fatalmente voltará a buscar na droga uma saída para suas inquietações".

Aumento nas apreensões demonstra expansão da droga

Segundo o comandante da Polícia Militar no ABC, coronel José Luís Martins Navarro, nos últimos anos as apreensões de crack têm aumentado, o que demonstra a popularização do entorpecente entre os usuários de drogas da região. Para combater o tráfico, foi colocada em prática, desde o início deste ano, a Operação Força Total, que está mapeando os pontos de venda de drogas e identificando os traficantes que agem no ABC.

"Toda ajuda na repressão das drogas é bem vinda e esse Plano Integrado deve auxiliar muito no combate ao tráfico. Este é um problema urgente e que envolve a todos", esclarece o comandante. Santo André e São Bernardo lideram na região o 'ranking' de apreensões, mas isso não significa que o problema nestas cidades é maior do que em outros municípios. "Isso acontece porque essas cidades possuem batalhões da PM e são maiores que as demais", informa.

Para o coronel Navarro, a prevenção é a melhor forma de combater a expansão do uso de drogas. A PM de São Paulo mantém, desde 1977, dois projetos junto às crianças e adolescentes com o intuito de explicar os efeitos dos entorpecentes e as consequências do vício: o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) e o JCC (Jovens Construindo a Cidadania). No ano passado, 5 mil jovens do ABC participaram destes projetos.

Leitos de internação para usuários serão dobrados em 2010

Uma das principais ações previstas no Plano Integrado é o aporte de R$ 180 milhões para a ampliação da rede de assistência aos usuários de crack. Até o fim deste ano, os hospitais gerais vão dobrar o número de leitos para receber dependentes químicos - de 2,5 mil para 5 mil.

Outra frente é intensificar ações anunciadas em 2009 pelo Ministério da Saúde, no Pead (Plano Emergencial de Ampliação do Acesso do Tratamento para usuários de Álcool e Drogas). Este plano previa a construção de 73 novos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) até o final de 2010, dos quais 52 já foram habilitados. O Ministério prevê mais 136 centros especializados em Álcool e Drogas (CAPS-AD), até o final de 2011.

O Ministério também vai promover a transformação de 110 CAPS-AD, em municípios com mais de 250 mil habitantes, para CAPS-III, que têm funcionamento 24 horas por dia e oito leitos em cada um para internações de curta duração e maior capacidade de atendimento ambulatorial. Os CAPS III oferecem atenção contínua e tratamento integral aos usuários de álcool e drogas. Nestes 880 leitos, poderão ser realizados procedimentos de desintoxicações leves.

De acordo com nota oficial da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), o Plano Integrado merece apoio e destaca como fundamental o posicionamento dos psiquiatras em relação às políticas públicas de tratamento de dependentes químicos.

No entanto, na percepção da ABP, a formação dos profissionais que lidam com os usuários deve ser um dos pontos principais na busca pela resolução dos problemas enfrentados. "É fundamental investir em formação. Infelizmente o Brasil não conta com um número suficiente de psiquiatras e outros profissionais especializados em saúde mental para enfrentar a situação. Essa iniciativa deve prever também um plano de carreira para médicos da rede pública que ofereça melhores condições de trabalho e de remuneração, além de melhor distribuição dos profissionais no território nacional", diz o texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário