Do Publico
Paula Vitória, responsável no Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) pelo Gabinete de Apoio à Dissuasão, diz que estes jovens são o exemplo de "um bom uso da lei" que há quase nove anos deixou de considerar crime a posse e o consumo de drogas até determinadas quantidades. Antes de 2001, "estes jovens iriam a tribunal, seriam vistos como criminosos e ficariam com cadastro, o que iria prejudicá-los quando fossem à procura de emprego".
Hoje, o regime legal português é elogiado internacionalmente e foi mesmo copiado por alguns países. Mas há problemas no terreno: um terço das 18 CDT estão "desfalcadas" de técnicos, há sanções que se mostraram impossíveis de executar e milhares de processos prescreveram.
Para Paula Vitória, a grande virtude da lei foi "a humanização e não estigmatização de consumidores" - e volta aos jovens que foram apanhados na Páscoa. Sendo a sua primeira vez numa CDT, os seus processos ficam automaticamente suspensos. Cabe então aos técnicos alertarem-nos para o perigo do consumo de substâncias, como a cannabis, que podem ver como inócuas; em situações em que o consumo está, por exemplo, associado a problemas como processos de divórcio, podem encaminhá-los para terapeutas em consultas de jovens ou centros de saúde.
Esta seria a situação ideal. Paula Vitória refere que "o suporte desta política é a equipa técnica" - constituída por três elementos que são, por norma, um psicólogo, um assistente social e um técnico social -, que é quem garante "o carácter de proximidade e humanização" que a lei preconiza. Mas esse é o grande problema actual: há três CDT sem equipa técnica (Vila Real, Bragança e Braga) e outras três sem psicólogo (Bragança, Castelo Branco e Leiria).
A responsável admite que "o reconhecimento da lei no exterior" nem sempre tem sido acompanhado de "investimento". "Percebo que estamos em período de dificuldades financeiras mas era importante reforçar as equipas de apoio. A falta de pessoal é um constrangimento sério."
E mesmo a aplicação prática da lei chegou a estar em causa. Para tomar decisões é preciso que exista um quórum de, pelo menos, dois elementos, e, por falta de pessoal, sete comissões não puderam decidir durante períodos diferentes entre 2003 e 2008. Só na CDT de Lisboa, durante Fevereiro de 2005 a Março de 2008, prescreveram 5500 casos, refere o seu presidente, Vasco Gomes.
Este responsável nota ainda que há sanções que se mostraram "impraticáveis" e que precisam de ser mudadas, como proibir a pessoa de ir a um determinado sítio ou de se dar com certas pessoas. Vasco Gomes diz que é impossível pôr alguém a seguir um indiciado em permanência. E mesmo a aplicação de coimas também encontrou obstáculos. Desde o início não foram aplicadas mais de mil no país, refere Paula Vitória, porque os governos civis, a quem cabia a sua aplicação, "tinham e têm dificuldade em executá-las".
Mortes aumentam
Pouco antes de a lei entrar em vigor, num artigo no jornal britânico The Times, o líder do CDS-PP Paulo Portas vaticinava: "Haverá aviões cheios de estudantes com destino a Portugal para fumar marijuana porque sabem que não vão parar à cadeia. Oferecemos sol, praia e droga à escolha".
No relatório do Cato Institute (um think-tank sobre políticas públicas com sede em Washington) sobre o caso português, Glenn Greenwald pega na citação para dizer que estes e outros "medos" não se concretizaram. O investigador norte-americano realça, por exemplo, as descidas no consumo de drogas ao longo da vida, incluindo nos jovens, e o aumento do recurso aos serviços de saúde por parte dos toxicodependentes.
O documento, de 2009, foi usado pelas autoridades nacionais como sinal do reconhecimento externo do sucesso da política portuguesa. E a verdade é que pelo menos três outros países - México, Argentina e República Checa - seguiram entretanto o mesmo modelo.
Nuno Melo, deputado do CDS-PP, diz que as conclusões do documento norte-americano se baseiam em relatórios oficiais do IDT e que os mesmos números podem levar a tirar conclusões diferentes. Um dos indicadores onde Portugal piorou nos últimos anos foi nas mortes relacionadas com o consumo de droga e continua alto o nível de infecção por HIV/sida entre os toxicodependentes, realça.
Luís Vasconcelos, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, entende que a descriminalização do consumo veio sobretudo tirar os toxicodependentes da "obscuridade": sem o medo de irem a tribunal, acorreram às estruturas de tratamento e já "não têm que passar pelo sistema penal para chegar à saúde".
Luís Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, prefere antes apontar para a redução do número de reclusos. E Eduardo Maia Costa, juiz do Supremo Tribunal de Justiça, concorda que "há hoje mais gente no sistema de saúde que saiu do sistema judicial, que ficou mais aliviado".
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