da Veja.com
Em uma experiência pouco usual para encontrar as chaves da dependência em seres humanos, cientistas americanos decidiram usar caracóis para estudar os efeitos da metanfetamina no cérebro. Descobriram que a droga, uma das substâncias conhecidas que mais viciam, produz memórias que dificilmente podem ser esquecidas. Isso, disseram, poderia provocar a reincidência dos dependentes químicos.
De acordo com a pesquisa, publicada no Journal of Experimental Biology, a metanfetamina é um psicoestimulante que "seduz as vítimas aumentando a auto-estima e o prazer sexual e induz a um estado de euforia". "Uma vez capturado, é muito difícil ao usuário romper o hábito", disse Barbara Sorg, da Universidade do Estado de Washington, que dirigiu o estudo.
Segundo a investigadora, o grupo escolheu o humilde molusco Lynmaea sgtagnalis (o caracol de lagoa) para suas investigações porque ele oferece um "modelo simples" que permite analisar os efeitos da droga em uma única célula cerebral. Tal como explica Sorg, a memória joga um papel muito importante nas dependências. "Tais drogas produzem recordações muito persistentes", disse. "À droga se associam todos os signos visuais, ambientais e aromáticos que produz."
"Ainda que os viciados possam deixar a droga em uma clínica de tratamento, quando regressam a seus lugares favoritos todos esses signos provocam a ansiedade de voltar a usá-la e reincidir no hábito", explicou Sorg. A questão que os cientistas se defrontaram foi: "por que é tão difícil esquecer as recordações destes signos?" O primeiro passo foi analisar os efeitos da metanfetamina nos caracóis, comparando a conduta dos animais drogados e não drogados em uma tarefa simples de respiração. Os caracóis costumam ser usados para o estudo da memória e aprendizagem porque têm um sistema nervoso central relativamente simples, com neurônios facilmente identificáveis. "Normalmente vivem em água parada e respiram através da pele", disse a pesquisadora. "Mas quando os níveis de oxigênio diminuem na água, os caracóis vão para a superfície e abrem um tubo de respiração."
Os investigadores treinaram os caracóis para que não fossem à superfície picando seu tubo respiratório com uma pequena vara. "Eles não gostavam disso, portanto aprenderam, com o método de tentativa e erro, a não sair da água, e assim formaram uma memória", explicou Sorg. Os cientistas descobriram que se expusessem os caracóis a uma baixa concentração de metanfetamina antes da tarefa de respiração, eles ficavam mais "preparados" para formar uma memória mais persistente da tarefa. Desta forma, os caracóis não drogados esqueceram a tarefa 24 horas depois do treinamento. Mas os drogados com metanfetamina mantiveram a recordação durante mais tempo.
"Ainda que a droga não estivesse mais em seu sistema nervoso, havia acontecido alguma coisa nas células que os fazia melhorar sua aprendizagem", disse Sorg. Agora os cientistas planejam investigar quais são as mudanças que se produziram nas células. Em estudos anteriores já conseguiram identificar um neurônio do caracol que é crucial para que aprendam e se recordem de como regular a respiração. A célula libera um composto químico, a dopamina, que nos mamíferos está relacionado com os circuitos cerebrais envolvidos com o vício. "Por isso, pensamos que esse caracol seria um bom exemplo de estudo", afirmou a cientista. "Agora queremos investigar esse neurônio e ver o que muda nele. Estudos prévios encontraram mudanças no DNA celular causados pela droga."
O trabalho, dizem os cientistas, pode ser importante em futuros tratamentos, baseados na memória, para combater a dependência a drogas ou outros transtornos como o estresse pós-traumático. O objetivo eventualmente poderia ser atacar memórias específicas, ou patológicas, para que o paciente possa esquecê-las ou diminuí-las. "Se soubermos como se formam essas memórias e como podem ser esquecidas, e se pudermos entender como é o processo que provoca o esquecimento em uma célula individual, poderemos transferir esses conhecimentos para animais superiores, incluindo os seres humanos", disse Sorg.
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