Fonte: Extra
Por: Ana Paula Miranda (Antropóloga)
O trabalho de pesquisa de Antonio Rafael Barbosa, "Um abraço para todos os amigos", publicado pela Eduff, chama a atenção para a dificuldade de diferenciar os traficantes de drogas e os usuários em função das práticas de comercialização, circulação e uso de drogas. O autor afirma, dentre outras questões, que os discursos produzidos sobre o tráfico de drogas, por serem marcados por um discurso moral, acabam obscurecendo as relações cotidianas que se estabelecem na prática.
A divulgação pelo EXTRA dos "cadernos do tráfico" serve para demonstrar o quanto as interações entre policiais, traficantes e usuários nas ruas é rotineira, evidenciando o que já se conhece desde a década de 1980, que é a presença de um mercado varejista estruturado (a "firma"), que pode ser agrupado em três redes principais, no Rio de Janeiro: o que gira em torno das favelas, o que acontece no "asfalto" e o que está relacionado ao mercado externo, o que significa que cada um desses mercados tem relacionado a ele diversas formas de interações entre agentes públicos.
A existência dos "sócios de farda" não se trata, portanto, de nenhuma novidade. Ao contrário, a divulgação da movimentação financeira serve para evidenciar a falácia da hipótese do fim do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, o tráfico não "faliu", ele está em processo de adaptação às novas regras e aos novos atores que surgiram nos mercados (milícias, o Exército etc.), o que tem levado a substituição do modelo tradicional (defesa do território) por outro modelo de comercialização, o que segundo um relatório do Exército, divulgado recentemente pela mídia, teria uma forma itinerante, onde o usuário teria que dizer uma senha para efetuar a compra — "ondeestão os amigos?".
À semelhança da brincadeira, "onde está Wally?", a senha "onde estão os amigos?" evidencia que, apesar de não ser tão evidente a visualização, os diversos tráficos estão lá (na favela, no asfalto, nos portos e aeroportos), e continuarão.
Passado o momento ufanista que dominou a cobertura midiática sobre a ocupação territorial do Complexo do Alemão, no ano passado, voltamos à vida cotidiana e, junto com ela, a certeza de que um mercado que fatura R$ 60 mil por dia e que é gerenciado por cadernos manuscritos representa apenas a ponta de um iceberg. Há várias outras redes e outras contabilidades, que são provavelmente mais lucrativas, partilhadas com outros "sócios", que continuam "esquecidas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário