Fonte: Folha de São Paulo
Por Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Os EUA são um lugar estranho. Com a decisão dos eleitores do Colorado e de Washington de legalizar a maconha para uso recreativo, a droga logo estará liberada nessas unidades federativas no plano estadual, mas continuará proibida pelas leis federais.
O surrealismo da situação foi sancionado pela Suprema Corte que, numa decisão de 1996, determinou que agentes federais estão autorizados a prender usuários, mesmo que a lei estadual permita o consumo -o que já ocorre em vários Estados no contexto da utilização medicinal.
Na prática, porém, os maconheiros poderão relaxar. Policiais federais têm coisas mais importantes com que se preocupar do que caçar pequenos consumidores. O grosso da repressão fica a cargo de agentes estaduais mesmo, que, em 2008, foram responsáveis por 847 mil prisões relacionadas à droga nos EUA, contra apenas 6.300 (0,75%) realizadas pelas autoridades federais.
O interessante aqui é menos a maconha e mais o modo como os EUA lidam com conflitos federativos. Esse tipo de situação foi não só antevisto pelos autores da Constituição como considerado positivo. No papel federalista nº 28, Alexander Hamilton escreveu: "Se os seus direitos [do povo] forem invadidos por um deles [União ou Estados], podem utilizar o outro como instrumento de reparação".
A ideia de incentivar um choque federativo soa absurda para brasileiros, acostumados que estamos com uma União forte e centralizadora, mas, se a analisarmos mais detidamente, veremos que não é tão irracional assim. O período durante o qual a disputa permanece numa zona de ambiguidade facilita a formação de consensos. A primeira lei local que liberava a maconha para uso medicinal surgiu tímida em 1996 e, de lá para cá, 21 dos 50 Estados já promoveram algum tipo de afrouxamento legislativo. Isso dificilmente teria ocorrido se a única via para a mudança fosse alterar a norma federal.
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