Fonte: O Globo
RIO - Por trás da fumaça do crack, uma polêmica incendeia o debate em torno da internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes da droga. De um lado, representantes de entidades de direitos humanos e dos conselhos regionais de enfermagem, assistência social e psicologia criticam a medida, classificada como "inconstitucional e de faxina da cidade". No outro extremo está o secretário municipal de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, que taxa de demagogos os críticos da medida. A internação obrigatória, definida em comum acordo com o Ministério Público estadual e a Vara de Infância e Juventude, já levou 82 jovens dependentes para unidades de tratamento desde maio.
Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Margarida Pressburger, a portaria que instituiu o abrigo compulsório de jovens dependentes é inconstitucional. Mas sobretudo, na opinião dela, não garante tratamento adequado às crianças e aos adolescentes recolhidos nas ações conjuntas da prefeitura, com apoio das polícias Civil e Militar e da Guarda Municipal.
Margarida ressalta que, durante visita a um desses abrigos, o Casa Viva, em Laranjeiras, na última quinta-feira, descobriu que o espaço não conta com sala de aula ou área de lazer para os abrigados.
- Temos recebido ainda relatos sobre agressões sofridas por esses jovens dentro dos abrigos - afirma a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Ela afirma ter sido informada que os jovens passam boa parte do tempo medicados, com remédios de tarja preta e sem acompanhamento adequado.
- A visita foi agendada para receber a ministra dos Direitos Humanos e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maria do Rosário. Na ocasião, a equipe de acompanhamento médico e psiquiátrico estava presente, mas um dos profissionais admitiu que foi contratado por uma ONG, que não soube dizer o nome, para fazer dois plantões semanais na Casa Viva - disse Margarida.
Estatuto é citado pelos dois lados
Margarida ressaltou que tanto a ministra Maria do Rosário quanto a secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmem de Oliveira, são contrárias à medida que instituiu a internação compulsória. Em nota, a secretária Carmem Oliveira afirmou que a iniciativa fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Na tarde de segunda-feira, durante evento onde foi lançado na sede da OAB o manifesto "Recolher não é acolher", contra a internação compulsória, representantes de conselhos regionais apontaram outras irregularidades. A fiscal do Conselho Regional de Enfermagem, Kátia Calegaro, disse que, durante vistoria nos abrigos SerCriança e Bezerra de Menezes, em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste, não foram encontrados kits de reanimação e nenhum enfermeiro se responsabilizava pelo acompanhamento dos jovens.
- A existência desses kits é muito importante em casos de emergência, que podem acontecer devido a possíveis reações dos dependentes ao tratamento de desintoxicação. Nessas situações, por exemplo, o paciente pode apresentar uma parada cardiorrespiratória e, por isso, o abrigo tem que estar equipado com aparelhos para reanimar o paciente - justifica Karla.
A fiscal do Conselho Regional de Enfermagem relatou ainda casos de jovens dependentes que estariam recebendo medicamentos e seria necessário o acompanhamento médico e psiquiátrico por 24 horas.
O presidente do Conselho Regional de Assistência e Serviço Social, Charles Toniolo também criticou os métodos adotados a partir do protocolo que permite a internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes em crack:
- Sabemos que esse é um problema sério. Mas não será com o confinamento de jovens em instituições inadequadas que a situação será solucionada - acredita.
O secretário Rodrigo Bethlem defende a iniciativa e ressalta que apenas crianças e adolescentes com histórico de uso compulsivo de crack - após análise de médicos e psiquiatras - são levados aos abrigos. Bethlem não esconde a irritação:
- São uns demagogos, que defendem o direito de ir e vir de crianças e adolescentes, que vivem abandonadas nas cracolândia. Ninguém faz nada por esses jovens enquanto estão jogados nas ruas. Estamos apenas cumprindo o dever de proteger esses jovens, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - afirma.
Bethlem acrescenta que desde de maio, quando foi instituído o novo Protocolo de Abordagem Social, que determina o abrigamento compulsório de jovens com alto grau de dependência química, apenas 82 das 245 crianças e adolescentes recolhidos foram levados aos quatro abrigos conveniados pela Secretaria municipal de Assistência Social. O número, segundo ele, derruba a tese de "faxina" ou "higienização" descrita pelos críticos.
O secretário ressalta que todo o trabalho vem sendo acompanhado por promotores e pela Vara de Infância e Juventude para evitar irregularidades e abusos contra os jovens levados a tratamento:
- Estamos lidando com um problema muito grave. Essas crianças e adolescentes chegam aos abrigos com uma série de problemas, além da própria dependência em crack. Entre os abrigados, por exemplo, há uma menina de 12 anos, que é soropositiva. Antes de ser recolhida, ela vivia pelas ruas. E, pelo que me consta, não recebia ajuda de ninguém. Agora, ela está sendo submetida a tratamento médico. Quem critica essa iniciativa não conhece uma pessoa com dependência em crack - diz ele.
Segundo Bethlem, atualmente a secretaria oferece 145 vagas, sendo 120 nos três Centros Especializados em Atendimento à Dependência Química, em Pedra de Guaratiba; e 25 na Casa Viva, em Laranjeiras.
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