terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Duas Drogas

do Blog Sustentável é pouco

Fundamental para melhorar é aprender com os erros. Para aprender, é importante estar atento ao que acontece no mundo lá fora, em vez de viver aferrado a suas crenças de infância.

Peguemos, por exemplo, o caso de dois compostos vegetais bem diferentes mas com muito em comum: ambos são divertidos, sociais, fazem mal à saúde, fazem bem à saúde, têm uma gigantesca cultura ao redor de si, acompanham a humanidade desde a antiguidade, inspiram ideias religiosas e artísticas e fazem girar uma imensa economia. Ambos têm um tremendo efeito no corpo humano, com óbvio papel farmacêutico. Ambos são produzidos num processo delicado e cheio de sutilezas, no qual cada detalhe do cultivo faz diferença na qualidade do produto final. Um é o suco fermentado de uma fruta, o outro é um composto químico presente em uma flor. Vinho e maconha.

Até 1920, nenhum dos dois era proibido. Ambos eram facilmente encontrados em armazéns e vendinhas. Os dois tinham papeis parecidos em partes diferentes do mundo. O primeiro a ser seriamente proibido foi o vinho, nos Estados Unidos, em 1920.

A proibição do álcool no país foi consequência de um movimento de fundo religioso chamado “temperança”. Deu imensamente errado. Em muito pouco tempo, os vendedores clandestinos de álcool começaram a fazer pagamentos mensais para a polícia, a justiça e a política para operar em paz. A corrupção afetou a moral do estado e diminuiu sua capacidade de governar. Como funcionava na sombra da lei, os vendedores de bebidas logo começaram a se armar e iniciaram guerras por território. Surgiu um violento crime organizado. A qualidade das bebidas despencou, já que os produtores eram gângsters, não someliers.

Quando a Proibição do álcool acabou, após a constatação de que era cara e ineficaz, deixou uma burocracia desempregada, e essa burocracia lobiou por algo para proibir. Não demorou para eles acharem: uma erva demoníaca que enlouquecia as pessoas e fazia-as matarem os outros (esse foi um dos mitos sobre a maconha depois desmentidos).

A proibição da maconha deu tão errado quanto a do álcool. Não conseguiu reduzir o consumo (pelo contrário, ele disparou), corrompeu a Justiça, o governo e a polícia, aumentou os problemas de saúde associados à droga. Gerou um comércio cada vez mais dominado por gente violenta. Mas o pior é que os produtores e comerciantes de maconha logo começaram a procurar substâncias mais lucrativas. E um jeito de aumentar os lucros é aumentar a potência (diminuindo o custo de armazenamento e transporte e o risco de ser pego) e a taxa de dependência (fregueses viciados são ótimos para os negócios).

Não demorou para as organizações que lucram com maconha começarem a vender cocaína e heroína (da mesma forma que os vendedores de álcool ilegal dos anos 1920 foram aos pouco trocando cerveja e vinho por um rum de fundo de quintal de péssima qualidade). Hoje, grupos criminosos brasileiros fazem venda casada de maconha com crack: se você comprar maconha precisa levar também um tantinho de crack.

Hoje o vinho é um dos produtos rurais mais lucrativos do mundo, o que reduz o êxodo rural e gera uma economia fortemente artesanal que emprega muita gente. Preza-se qualidade. Enquanto isso, a maconha está na mão de bandidos, que não sabem nada de qualidade, apenas se importam em não ser pegos, maximizar lucros e disputar territórios a tiros. A indústria não dá um centavo para os estados, apenas consome recursos.

Maconha e vinho não são iguais: são compostos diferentes, com efeitos diferentes. A maconha definitivamente não faz tão bem quanto o vinho, que possui substâncias que reduzem imensamente as chances de morrer do coração. Também não faz tão mal, porque causa menos dependência, não causa lesões cerebrais permanentes nem provoca comportamento violento ou completamente irresponsável, como o álcool.

Mas será que, ao proibirmos um e vigiarmos atentamente o outro, não estamos potencializando o mal do primeiro e o bem do segundo?

A propósito: maconha adora muito sol e pouca chuva. O sertão nordestino, pedaço mais socialmente vulnerável do Brasil, poderia ser a Bordeaux dessa cultura.

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Por Denis Russo Burgierman

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